POLUIÇÃO
SONORA ULTRAPASSA QUESTÃO DE GOSTO
Talden
Farias
De
acordo com o calendário oficial, o verão começou no hemisfério
sul no dia 21 de dezembro, quando ocorreu o solstício dessa estação,
fenômeno astronômico marcado pela inclinação do eixo de rotação
e pela maior incidência da luz solar sobre a parte sulina do
planeta. No Brasil, o período marca as festas de final de ano (Natal
e réveillon) e a abertura do veraneio, que coincide com as férias
escolares, o recesso judiciário e a maior parte das férias de
trabalho.
Em
função disso e, obviamente, do clima favorável, essa é a época
mais propícia ao aproveitamento das praias e dos ambientes de lazer
de maneira geral, bem como à realização de festas, viagens etc. É
nesse cenário que a poluição sonora atinge o seu ápice: de norte
a sul do país pululam carros e paredões de som, dentre outras
manifestações do acontecimento que toma conta dos espaços públicos
e compromete e qualidade de vida.
O
art. 3°, III da Lei n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente) conceitua poluição como "a degradação da qualidade
ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a)
prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b)
criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c)
afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas
ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em
desacordo com os padrões ambientais estabelecidos". Logo, a
poluição sonora é uma perturbação ao ambiente sonoro que pode
causar danos ao sossego e à saúde humana e animal.
A
poluição sonora é o tipo mais difuso de poluição, pois em
praticamente todos os lugares onde o ser humano habita ou interage
existe alguma forma de emissão de ruídos, sendo por isso mais
difícil identificar e controlar as suas fontes. Outra característica
é que a poluição sonora somente gera os seus efeitos nas
proximidades das fontes de emissão, o que não ocorre com a poluição
atmosférica ou com a poluição hídrica cujos efeitos podem ser
perceptíveis mesmo em longas distâncias. Ainda uma outra
característica é que a poluição sonora não deixa nenhuma espécie
de resíduo ou registro, a não ser os efeitos acumulados no
organismo, de maneira a desaparecer assim que a fonte emissora for
interrompida.
Há
quem relacione o problema a uma questão de gosto ou de
identificação, como se a sonoridade de preferência não pudesse
configurar a afronta. No entanto, a poluição sonora consiste apenas
no desrespeito a um padrão ambiental previamente estabelecido, que
inclusive pode variar conforme o horário, o lugar ou a utilização,
pouco importando a modalidade do ruído produzido.
Os
efeitos da poluição sonora podem ser classificados em reações
físicas e em reações emocionais ou psicológicas. As reações
físicas são aumento da pressão sanguínea, aumento do ritmo
cardíaco, interrupção do processo digestivo, problemas de
ouvido-nariz-garganta, maior produção de adrenalina e de outros
hormônios – isso para não falar, obviamente, das restrições
auditivas, as dificuldades na comunicação com as pessoas, as dores
de ouvido etc, que são os efeitos mais diretos. No caso de exposição
mais prolongada existem ainda outros efeitos, como absenteísmo,
incidência de úlcera, cefaleias, hipertensão, maior consumo de
tranquilizantes, náuseas e perturbações labirínticas. As reações
emocionais ou psicológicas são ansiedade, desmotivação,
desconforto, excitabilidade, falta de apetite, insônia, medo, perda
da libido, tensão e tristeza. Trata-se, sobretudo, de um problema de
saúde pública.
Fazendo
uso do seu poder de regulamentar os padrões de qualidade ambiental,
o CONAMA disciplinou o assunto por meio da Resolução n. 01/90, que
encampou os critérios da NBR 10.151 da ABNT, a qual versa sobre a
avaliação do ruído em áreas habitadas visando o conforto da
comunidade1.
A tabela 1 dessa norma dispõe sobre o nível de decibéis (Db) da
seguinte maneira: nas áreas de sítios e fazendas o limite pé de 40
diurno e 35 noturno, nas zonas hospitalares de 45 diurno e de 40
noturno, nas zonas residenciais urbanas de 55 diurno e 50 noturno, no
centro da cidade de 65 diurno e 60 noturno e nas áreas
predominantemente industriais de 70 diurno e 65 noturno. Essa é a
norma que versa sobre o assunto em âmbito federal, havendo Estados e
Municípios que estabeleceram normais mais rígidas tendo em vista a
competência legislativa concorrente2.
O
art. 225, § 3° da Constituição Federal de 1988 consagrou a
tríplice responsabilidade em matéria ambiental, o que também está
previsto no art. 3º da Lei n. 9.605/98. Isso implica dizer que a
prática de poluição sonora pode ser responsabilizada
administrativa, cível e criminalmente. Na esfera administrativa o
infrator está sujeito a sanção de multa3
e embargo dentre outras penalidades, na esfera cível ao pagamento de
indenização por danos materiais e/ou morais e na esfera criminal4
à pena de reclusão e multa.
Embora
a competência para fiscalizar e para impor sanções administrativas
seja comum nos termos do art. 23 da Constituição Federal e da Lei
Complementar n. 140/2011, a rigor nesse assunto predominará o
interesse local em razão da limita extensão das fontes emissoras.
Em vista disso, os Municípios deverão ter o protagonismo nesse tipo
de controle por meio de seus órgãos ambientais ou urbanísticos. A
Polícia Militar também tem um papel relevante na repressão a isso,
uma vez que essa conduta pode ser enquadrada como contravenção
penal ou como crime ambiental.
Como
a maioria das fontes emissoras se encontra nos lugares mais
habitados, a poluição sonora é um problema essencialmente urbano,
devendo ser encarada como uma questão de política urbanística.
Isso significa que é preciso trabalhar para criar uma cultura de
silêncio e de respeito sonoro, o que deve ocorrer de maneira
contínua e regular e não apenas nas temporadas de férias ou de
festejos. Com efeito, a educação pode gerar efeitos mais duradouros
e amplos do que a mera punição, nada obstante seja um processo mais
lento.
1
O art. 8º, I, VI, VII da Lei n. 6.938/81 dispõe sobre a
competência do CONAMA para estabelecer os padrões de qualidade
ambiental.
3
No âmbito federal é possível aplicar a sanção administrativa de
multa com base no Decreto n. 6.514/2008: “Art. 61. Causar
poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou
possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a
mortandade de animais ou a destruição significativa da
biodiversidade: Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$
50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). Parágrafo único. As
multas e demais penalidades de que trata o caput serão aplicadas
após laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental competente,
identificando a dimensão do dano decorrente da infração e em
conformidade com a gradação do impacto”. É possível, no
entanto, que Estados e Municípios apliquem sua própria legislação
específica.
4
Na esfera criminal é importante destacar que embora não exista um
tipo penal específico, ao contrário do que previa o projeto
original da Lei n. 9.605/98. Mas o Decreto-lei n. 3.688/41 enquadrou
a poluição sonora como contravenção penal quando estiver em jogo
a tranquilidade do indivíduo, tanto no que diz respeito ao seu
trabalho quanto ao seu descanso: “Art. 42. Perturbar alguém o
trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; II –
exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as
prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou
sinais acústicos; IV – provocando ou não procurando impedir
barulho produzido por animal de que tem guarda. Pena – prisão
simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa”. De qualquer forma, a
poluição sonora é criminalizada no art. 54 da Lei n. 9.605/98
(Lei de Crimes Ambientais), que determina pena de reclusão de um a
quatro anos e multa, e de detenção de seis meses a um ano e multa
se o crime for culposo, no caso de "Causar poluição de
qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em
danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou
a destruição significativa da flora".
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