EFEITOS
DA LEI COMPLEMENTAR 140/2011 NA COBRANÇA DA TCFA
Talden
Farias
A
Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA) foi criada pela
Lei n. 10.165/2000, que a inseriu na Lei n. 6.938/81, a qual dispôs
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e instituiu o Sistema
Nacional do Meio Ambiente, ao modificar os arts. 17-B, 17-C, 17-D,
17-F, 17-G, 17-H, 17-I e 17-O e ao acrescentar os arts. 17-P, 17-Q e
os anexos VIII e IX. De acordo com a lei citada, o fato gerador dessa
taxa é o exercício regular do poder de polícia para fiscalizar e
promover o controle ambiental:
Art. 17-B. Fica
instituída a – TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do
poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e
fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e
utilizadoras de recursos naturais.
Trata-se
de um tributo instituído pela União e cobrado pelo IBAMA no
exercício do seu poder de polícia no tocante às atividades efetiva
ou potencialmente poluidoras, que a princípio são aquelas sujeitas
ao licenciamento ambiental. Contudo, somente se enquadram como
contribuintes as pessoas físicas ou jurídicas que desempenhem
alguma das atividades descritas no anexo VIII da lei citada, uma vez
que o princípio da legalidade desobriga os empreendimentos não
listados ainda que degradadores.
É
sabido que a taxa pode ter por fato gerador o exercício do poder de
polícia ou o uso de serviços públicos específicos e divisíveis
prestados postos à disposição do cidadão, conforme estabelecem o
Código Tributário Nacional1
e a Constituição Federal de 19882.
Os conceitos de poder de polícia e de serviços públicos também
estão previstos no Código Tributário Nacional:
Art. 78. Considera-se
poder de polícia atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a
prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse
público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos
costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do
Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Art. 79. Os serviços
públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:
I - utilizados pelo
contribuinte:
a) efetivamente,
quando por ele usufruídos a qualquer título;
b) potencialmente,
quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua
disposição mediante atividade administrativa em efetivo
funcionamento;
II - específicos,
quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção,
de utilidade ou de necessidade públicas;
III - divisíveis,
quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada
um dos seus usuários.
Entretanto,
a taxa não pode ser cobrada em cima do exercício do poder de
polícia ou da prestação de um serviço realizado por outro ente
federativo, pois somente assim a sua existência se justificaria.
Impende dizer que, além de ser uma questão de lógica, a própria
Lei Fundamental proíbe expressamente tal prática:
Art. 145. A União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os
seguintes tributos:
(…)
II - taxas, em razão
do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou
potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis,
prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
A
respeito desse assunto o Prof. Ricardo Lodi Ribeiro, afirma o
seguinte:
Deste modo, não é
legítima a cobrança de taxa ambiental por determinado ente
federativo que se vincule à manifestação do poder de polícia da
competência material de outro integrante da Federação, ainda que
este último não exerça a tributação sobre a atividade ou permita
a dedução do valor a ele pago do montante que será devido, como
levado a efeito pelo artigo 17-P da Lei Federal n. 6.938/81, em
procedimento que foi acolhido pelo parágrafo único do artigo 6º da
Lei n. 7.182/15. Se o poder de política previsto pela lei estadual
não estiver na competência ambiental do Estado, nem a dedução ou
compensação salvará a legitimidade da taxa. A rigidez do nosso
sistema tributário não permite que a cooperação entre os entes
federativos chegue ao ponto de admitir que o não exercício da
competência tributária por um dos entes federativos abra caminho
para o seu desempenho por outro (art. 8º do CTN).
Por isso, é
necessária a investigação de que entidade federativa é competente
para o exercício do poder de polícia a que se vincula a TFPG. É
essa investigação que se passa a proceder3.
O
IBAMA exige a TCFA de qualquer uma das atividades relacionadas,
independentemente de quem seja o ente licenciador, o que vem
acontecendo desde a edição da Lei 10.165/2000. Com efeito, o STF
vem considerando a norma constitucional, tendo inclusive não
conhecido das ADIs 2.422/2001, 2.423/2001 e 2.451/2001 interpostas
pela Confederação Nacional da Indústria4.
É
bem verdade que essa constitucionalidade não deixou de ser
questionada sob o argumento de que a União não tinha um completo
poder de polícia sobre tais atividades, uma vez que dividia a
responsabilidade com as demais entidades federativas. Foi, no
entanto, exatamente a competência administrativa ambiental comum
prevista no art. 23, III, IV, VI e VII da Carta Cidadã que fez com
que legitimou a cobrança – pois se o ente federal tinha poder de
polícia para atuar na área, tinha ele também legitimidade para
cobrar.
Acontece
que a edição da Lei Complementar 140/2011, que regulamentou a
competência administrativa em matéria ambiental em atendimento ao
parágrafo único do dispositivo constitucional citado, trouxe
algumas implicações à matéria. É que a responsabilidade comum
absoluta e indistinta deixou de existir, já que essa lei passou a
vincular a atribuição para fazer o controle ambiental ao
licenciamento ambiental:
Art. 7º. São ações
administrativas da União:
(…)
XIII - exercer o
controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição
para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida à União;
Art. 8º. São ações
administrativas dos Estados:
(…)
XIII - exercer o
controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição
para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida aos
Estados;
Art. 9º. São ações
administrativas dos Municípios:
(…)
XIII - exercer o
controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição
para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida ao
Município;
Art. 17. Compete ao
órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o
caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração
ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de
infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento
ou atividade licenciada ou autorizada.
Sendo
assim, para saber quem pode fiscalizar e impor sanções
administrativas, a exemplo de embargo e multa, é preciso identificar
o ente licenciador. É claro que a própria lei citada tratou disso,
uma vez que essa era a sua incumbência constitucional expressa:
Art. 7º. São ações
administrativas da União:
(…)
XIV - promover o
licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:
a) localizados ou
desenvolvidos conjuntamente no brasil e em país limítrofe;
b) localizados ou
desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na
zona econômica exclusiva;
c) localizados ou
desenvolvidos em terras indígenas;
d) localizados ou
desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela união,
exceto em áreas de proteção ambiental (apas);
e) localizados ou
desenvolvidos em 2 (dois) ou mais estados;
f) de caráter
militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato
do poder executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das forças
armadas, conforme disposto na lei complementar no 97, de 9 de junho
de 1999;
g) destinados a
pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e
dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem
energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante
parecer da comissão nacional de energia nuclear (cnen); ou
h) que atendam
tipologia estabelecida por ato do poder executivo, a partir de
proposição da comissão tripartite nacional, assegurada a
participação de um membro do conselho nacional do meio ambiente
(conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e
natureza da atividade ou empreendimento;
Art. 8º. são ações
administrativas dos Estados:
(…)
XIV - promover o
licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores
de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental,
ressalvado o disposto nos arts. 7º e 9º;
Art. 9º. são ações
administrativas dos Municípios:
(…)
XIV - observadas as
atribuições dos demais entes federativos previstas nesta lei
complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou
empreendimentos:
a) que causem ou
possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia
definida pelos respectivos conselhos estaduais de meio ambiente,
considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da
atividade; ou
b) localizados em
unidades de conservação instituídas pelo município, exceto em
áreas de proteção ambiental (apas);
Afora
a relevância ambiental da definição do órgão responsável pelo
controle ambiental, os dispositivos transcritos também servem para
apontar a quem incumbe cobrar as taxas baseadas no poder de polícia
relacionadas à atuação ambiental. Isso implica dizer que o IBAMA
só poderá cobrar a TCFA das atividades sob sua tutela, cabendo aos
Estados e Municípios instituir cobrança de taxa semelhante quanto
aos empreendimentos de sua responsabilidade (é claro que para isso
ocorrer a taxa deverá ser instituída por lei e cumprir todos os
requisitos legais, assim como se deu com a TCFA).
Portanto,
desde o final do ano de 2011, com a edição da Lei Complementar 140,
não é mais possível a cobrança da TCFA em relação às
atividades de competência licenciatória estadual e municipal haja
vista a regulamentação da competência administrativa em matéria
ambiental. Isso não significa que se questiona a constitucionalidade
do tributo, mas tão somente a sua cobrança em cima de uma atividade
cuja competência para fiscalizar e controlar pertence a outro ente
federativo.
1
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito
Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas
atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder
de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço
público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto
à sua disposição.
2
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
poderão instituir os seguintes tributos: (...) II – taxas, em
razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização,
efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e
divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
3
RIBEIRO, Ricardo Lodi. O Poder de Polícia Ambiental e a Competência
para Instituir Taxas. Disponível em:
http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Ricardo-Lodi-Ribeiro/o-poder-de-policia-ambiental-e-a-competencia-para-instituir-taxas.
No mesmo sentido caminha o artigo “Taxa de fiscalização só pode
ser criada quando poder de polícia é exercido”, de André Saddy:
https://www.conjur.com.br/2015-fev-15/taxa-fiscalizacao-criada-poder-policia-exercido.
4
(…) Em conclusão: o exame das razões invocadas pelo eminente
Advogado-Geral da União e ratificadas pela douta Procuradoria-Geral
da República justifica a decisão ora agravada, no sentido da
incognoscibilidade das presentes ações diretas, eis que se
impunha, no caso, a impugnação “de todo o complexo normativo em
que se insere a disciplina legal pós-constitucional da atribuição
de poder de fiscalização ambiental à União, decorrente do
disposto no art. 23 da Constituição Federal”, revelando-se
incabível, por isso mesmo, o questionamento meramente tópico,
seletivo e fragmentário de determinadas regras legais, tal como
pretendido pelas Confederações sindicais que fizeram instaurar
este processo de controle normativo abstrato (ADI 2.422/2001, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ 145, 15/08/2001).
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