CONVERSÃO
DO VALOR DA MULTA EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AMBIENTAIS
Talden
Farias
Jean Marc Sasson
No
final do ano de 2017 foi editado o Decreto Federal 9.179 que
modificou os artigos 139 e seguintes do Decreto 6.514/08, o qual
dispõe sobre as infrações e sanções administrativas e
regulamenta o processo administrativo ambiental no âmbito federal. O
novo decreto criou o “Programa de Conversão de Multas Ambientais
emitidas por órgãos e entidades da União integrantes do Sistema
Nacional do Meio Ambiente – Sisnama”, cujos procedimentos para
conversão da multa foram depois regulamentados pelas Instruções
Normativas IBAMA n. 06/2018 e ICMBio n. 02/20181.
Esse
programa busca estimular e efetivar o pagamento das multas
administrativas ambientais, que em sua grande maioria não são pagas
ao final do respectivo processo administrativo. É que ao término de
tais processos a matéria acaba quase sempre sendo levada ao Poder
Judiciário tendo em vista o apontamento da existência de erro
material na autuação ou de questões processuais, a exemplo do
desrespeito ao contraditório. Também são muitos os casos em que os
autuados simplesmente não possuem renda nem patrimônio para fazer
jus ao pagamento da dívida, ficando a autuação em vão do ponto de
vista financeiro.
Para
se ter uma ideia do cenário atual das multas ambientais passíveis
de conversão no âmbito do IBAMA, de acordo com as informações de
sua presidenta Suely Araújo existem ao todo atualmente R$ 4,6
bilhões a serem pagos. Em média essa órgão ambiental federal
aplica oito mil multas por ano, totalizando R$ 4 bilhões anuais.
Ressalta-se que deste total apenas cerca de 4% a 5% são pagas. Entre
2011 e 2016, o montante de multas aplicadas chegou ao patamar de R$
23 bilhões, dos quais somente 2,62% ou R$ 604,9 milhões foram
pagos. Em 2016, o valor total de multas foi de R$ 4,812 bilhões dos
quais R$ 104,4 milhões foram efetivamente pagos2.
Em outras palavras, o quadro arrecadatório é o pior possível.
É
nesse contexto que o novo decreto procura ajudar as duas citadas
autarquias ambientais federais envolvidas, de maneira a contribuir
para a efetividade dos processos administrativos e dando uma maior
fôlego orçamentário. Por
ocasião do julgamento do auto de infração
estes órgãos poderão
autorizar a conversão da multa ambiental em serviços de
preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente
desde que assim solicite por escrito a parte autuada. Agora esse
requerimento pode ser feito até a fase de apresentação de
alegações finais (art. 142), já que antes teria de ser feito na
própria defesa administrativa sob pena de decadência.
No
momento da solicitação o infrator poderá eleger qual das
modalidades de prestação de serviços ambientais realizará: a
direta ou a indireta. Na forma direta o infrator elaborará o projeto
que será apresentado ao órgão ambiental para aprovação e, caso
aprovado, o implementará por seus próprios meios. Por ser uma
solução gerenciada pela iniciativa privada e, por esta razão, ser
uma solução mais eficiente e de menor custo, acertadamente, o
Decreto concedeu um desconto menor de 35% sobre o valor da multa
consolidado. Já na modalidade indireta, o infrator financiará, por
meio de adesão,
projeto previamente selecionado em chamada pública3
pelo órgão federal emissor da multa. Nesta modalidade o
Decreto, além de conceder um desconto de 60% sobre o valor da multa,
permite também o parcelamento em até 24 vezes.
Vale
ressalvar que nas duas modalidades admitidas a prestação de
serviços ambientais não poderá reparar os danos decorrentes das
próprias infrações, bem como não poderá ser menor que o valor da
multa convertida (arts. 141 e 143, respectivamente). Todos os
recursos obtidos serão aplicados diretamente na finalidade maior do
Direito Ambiental, que é a proteção do meio ambiente e da
qualidade de vida da coletividade. A aplicação dos recursos em
outras finalidades ensejará a responsabilidade do servidor
responsável, que poderá responder inclusive por improbidade
administrativa.
Por
outro lado, o dinheiro não poderia ser aplicado na recuperação do
próprio dano porque a obrigação de fazer isso independe de
qualquer outra coisa. Isso implica dizer que o fato de ter celebrado
o acordo não isenta o autuado em outras esferas de responsabilidade,
já que a responsabilização jurídica em matéria ambiental é
tríplice haja vista o que dispõe o §
3º
do art. 225 da Constituição Federal de 1988.
Por
envolver um desconto maior é evidente que a modalidade indireta deve
ter a maior demanda, pois a diferença de percentual é quase o
dobro. Isso implica dizer que o êxito do programa depende em grande
parte da participação da sociedade civil e do Poder Público, já
que o art. 140-A exige a participação de entidades públicas e
privadas na elaboração e execução dos chamados serviços
ambientais oficiais, o que prestigia o princípio da participação.
Independente
da modalidade eleita, o Decreto Federal elenca no artigo 140 uma
lista taxativa dos serviços de preservação, melhoria e recuperação
da qualidade do meio ambiente que poderão ser prestados pelo
infrator, quais sejam: (i) recuperação de: a) de áreas
degradadas para conservação da biodiversidade e
conservação e melhoria da qualidade do meio ambiente; b) de
processos ecológicos essenciais; c) de vegetação nativa para
proteção; e d) de áreas de recarga de aquíferos; proteção e
manejo de espécies da flora nativa e da fauna silvestre; (ii)
monitoramento da qualidade do meio ambiente e desenvolvimento de
indicadores ambientais; (iii) mitigação ou adaptação às mudanças
do clima; (iv) manutenção de espaços públicos que tenham como
objetivo a conservação, a proteção e a recuperação de espécies
da flora nativa ou da fauna silvestre e de áreas verdes urbanas
destinadas à proteção dos recursos hídricos; (v) educação
ambiental; ou (vi) promoção da regularização fundiária de
unidades de conservação.
Ressalta-se,
ainda, que quaisquer projetos que demandarem a recuperação da
vegetação nativa em imóvel rural, as áreas beneficiadas deverão
estar inscritas no Cadastro Ambiental Rural – CAR, com exceção
das áreas inseridas em unidades de conservação (ressalvadas as
Áreas de Proteção Ambiental), em assentamentos de reforma agrária
e em territórios indígenas e quilombolas.
Após
a solicitação do infrator e a escolha da modalidade de prestação
de serviços ambientais, caberá ao órgão ambiental decidir em
autorizar ou não a conversão da multa em serviços ambientais. A
maior parte da doutrina entende se tratar de decisão vinculativa,
isto é, uma vez cumpridos os pré-requisitos legais não restaria
alternativa
à autoridade ambiental senão conceder o benefício. Contudo, o
§1º do art. 145 do decreto estabelece que a
autoridade julgadora “considerará as peculiaridades do caso
concreto, os antecedentes do infrator e o efeito dissuasório da
multa ambiental’ e (ii) utiliza a expressão ‘poderá, em decisão
motivada, deferir ou não(...)”. Vai
no mesmo sentido o
art. 6º
da
IN
IBAMA n. 06/2018, segundo o qual “a conversão de multa é medida
discricionária e será efetivada segundo os critérios de
conveniência e oportunidade da Administração”.
Acontece
que o 1o
do art. 145 dispõe que o julgamento será feito de acordo com
as peculiaridades do caso concreto, os antecedentes do infrator e o
efeito dissuasório da multa ambiental. Destarte, não se trata de
mera subjetividade por parte da autoridade julgadora, uma vez que a
norma definiu critérios a serem observados. Logo, na hipótese de
indeferimento, a decisão deve ser embasada sob os pontos de vista
fático, jurídico e técnico tendo em conta o dever geral da
Administração Pública de motivar as suas decisões.
Ao
fim, restando autorizada a conversão da multa em prestação de
serviços ambientais, será celebrado termo de compromisso entre o
infrator e o órgão ambiental, o qual suspenderá a exigibilidade da
multa previamente aplicada e implicará em renúncia tácita ao
direito de recorrer administrativamente da decisão final em primeira
instância administrativa (art. 146). O momento da decisão é o do
julgamento do auto de infração, quando a autoridade competente se
pronunciará sobre o mérito da defesa e sobre o pedido de conversão,
consoante estabelece o art. 145.
A
celebração do termo de compromisso, contudo, apenas suspende o
processo administrativo, já que o órgão ambiental passará a
avaliar a implementação das obrigações acordadas no termo de
compromisso e o projeto na via eleita. Em outras palavras, uma vez
concluído o projeto e devidamente comprovada sua implementação, aí
é que a conversão da multa será concretizada. Por outro lado, caso
o projeto não seja implementado estritamente como acordado, o débito
do valor integral da multa acrescido dos consectários legais
incidentes será inscrito em dívida ativa e o termo de compromisso
poderá ser executado judicialmente em razão do seu caráter de
título executivo extrajudicial.
O
novo programa revela-se uma medida eficaz de conservação e
manutenção dos serviços e programas ambientais. Hoje em dia, os
parcos recursos arrecadados com as multas ambientais são destinados
em parcela menor ao Fundo Nacional de Meio Ambiente4
e
em parcela maior ao Tesouro Nacional, o que significa dizer que os
recursos arrecadados com multas ambientais originários de danos
ambientais não estão servindo para financiar a recuperação
destes. Não se pode esquecer que a Política Nacional do Meio
Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação
da qualidade ambiental propícia à vida, haja vista o que determina
o caput
do
art. 2o
da Lei n 6.938/1981. Isso implica dizer os recursos da conversão do
valor da multa deverão contribuir de forma significativa para a
efetividade do Direito Ambiental, que é um direito fundamental,
consoante dispõe o caput
do art. 225 da Lei Fundamental.
Sendo
assim, o novo Decreto Federal é de fato um instrumento relevante
para aumentar a eficiência dos processos administrativos ambientais
e da arrecadação do IBAMA e do ICMBio, o que é importante ainda
mais em tempos de crise econômica. No entanto, o principal aspecto a
ser destacado é que esses recursos terão de ser investidos
diretamente na proteção do meio ambiente e da qualidade de vida da
coletividade, gerando um benefício para as presentes e futuras
gerações.
1
De acordo com
o inciso IV do art. 6o
da Lei n. 6.938/81, os órgãos executores da Política Nacional do
Meio Ambiente no âmbito da União são apenas o IBAMA e o ICMBio.
Entretanto, por força do §
1º
do art. 70 da Lei n. 9.605/98 a Capitania dos Portos também pode
aplicar as sanções administrativas ambientais.
2
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-publica-decreto-que-converte-multa-do-ibama-em-acao-socioambiental,70001940493.
3
Em
março de 2018 foi realizado o primeiro chamamento público do
ICMBio para
projetos nas bacias do São Francisco e do Parnaíba. Vide:
http://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-geral/9498-sai-1-chamamento-de-conversao-de-multas.
4
A
destinação dos recursos do Fundo Nacional de Meio Ambiente estão
previstos no artigo 5 da Lei n.7.797/89, dentre os quais já se
encontram, em parte, a destinação a serviços ambientais.
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