domingo, 16 de dezembro de 2018

Inconstitucionalidade dos incentivos fiscais concedidos às empresas petrolíferas: análise da Lei 13.586/2017

INCONSTITUCIONALIDADE DOS INCENTIVOS FISCAIS CONCEDIDOS ÀS EMPRESAS PETROLÍFERAS: ANÁLISE DA LEI 13.586/2017
Talden Farias
Giovanna de Britto Lyra Moura
Leonardo Cordeiro Brasil





Em 12 de dezembro de 2017 a Câmara dos Deputados aprovou, por 208 votos a 284, a Medida Provisória 795/2017, que concede incentivos fiscais às empresas petrolíferas que exploram as camadas do pré e pós-sal no território brasileiro. Posteriormente, em 28 de dezembro daquele ano, o texto da chamada “MP do Trilhão” – assim apelidada pela grande imprensa por importar em renúncia fiscal supostamente equivalente a um trilhão de reais ou mais até 2040 – foi convertido na Lei 13.586/2017, por sanção do Presidente da República. Há de se ressaltar, entretanto, que nem todo o texto legal entrou em vigor na data da publicação da Lei, ante à necessidade de respeito ao princípio da anterioridade de exercício, consubstanciado no art. 150, III, b da Carta Magna.

O texto da Lei 13.586/2017 dispõe sobre a concessão de tratamento tributário diferenciado às empresas que empreendem atividades de exploração e desenvolvimento no campo do petróleo, do gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos no território brasileiro. Sua entrada em vigor importou na alteração de diversos diplomas legais que dispunham sobre o tratamento tributário dispensado à atividade econômica em mote. Assim, com a consolidação de um regime tributário especial, as referidas corporações, inclusive estrangeiras constituídas sob a modalidade offshore, passaram a gozar de diversos benefícios fiscais, dentre os quais, em relação a tributos decorrentes da aquisição de equipamentos e instrumentos facilitadores do desenvolvimento da produção (art. 1o, §5°)1. Ficou estabelecida, dentre outras providências, a possibilidade de dedução das importâncias aplicadas nas atividades de exploração de petróleo e gás natural do montante a ser recolhido a título de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a aplicação de alíquota zero para o cálculo de Imposto de Renda retido na fonte incidente sobre contratos de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas e de prestação de serviços envolvendo a exploração e produção de petróleo e gás natural, bem como a isenção fiscal dos tributos federais incidentes sobre os bens destinados às atividades de exploração das aludidas substâncias.

Decerto não se desconhece atualmente a utilização de tributos como indutores do comportamento econômico. A extrafiscalidade tributária, nesse ponto, deve estar alinhada com os objetivos expressos na Constituição Federal. Assim, o estabelecimento de políticas fiscais diferenciadas deve necessariamente passar pelo crivo de compatibilidade com os preceitos da Ordem Constitucional Econômica Brasileira.

Em uma breve análise, percebe-se a preocupação do constituinte em erigir a defesa do meio ambiente como um dos pilares da Ordem Econômica Nacional, assegurando tratamento diferenciado de acordo com o potencial poluidor da atividade, em descrição no art. 170, VI da Lei Maior. Deste modo, a política fiscal não pode ir de encontro com a efetiva proteção ambiental, sob pena de notória inconstitucionalidade material.

Passando à observação da atividade econômica objeto dos benefícios tributários descritos em lei, percebe-se que indústria petrolífera é uma das de maior potencial poluidor, sendo possível citar a contaminação hídrica decorrente do lançamento de efluentes, águas de lavagem, águas de resfriamento, entre outras substâncias2. Além disso, as atividades desenvolvidas na planta de exploração de petróleo liberam, na atmosfera, Gases do Efeito Estufa (GEE), tais como óxido de enxofre e óxido de nitrogênio, o que contribui sobremaneira para o aquecimento global, problema este que o Brasil se comprometeu a combater quando instituiu, em 29 de dezembro de 2009, a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC (Lei Federal n. 12.187/2009)3 e ao ratificar, em 12 de setembro de 2016, o Acordo de Paris.

Confrontando as premissas anteriores se percebe a nítida contradição entre a novel legislação e a proteção ambiental como preceito fundamental da Ordem Econômica. A própria previsão constitucional estabelece o compromisso de instituição de tratamento jurídico diferenciado conforme o impacto ambiental causado pelos processos de elaboração e prestação de produtos e serviços4, em clarividente previsão baseada na extrafiscalidade tributária – deve-se incentivar, através da cobrança de tributos, o desenvolvimento daquilo que for compatível com a defesa do meio ambiente, e restringir atividades que o sujeitem à degradação.

Assim, o mandamento constitucional estabelece a necessidade de diferenciação do tratamento fornecido pelo Poder Público e pela sociedade em geral, compatível com o grau de preservação ou poluição ambientais proporcionadas pela atividade econômica em desenvolvimento, sendo certo que qualquer dispositivo legal que conceda benefícios àqueles que empreendam atividades potencialmente danosas ao meio ambiente não se coaduna com a proteção constitucional ao meio ambiente, trazida pela Constituição Federal não só em seu art. 170, mas também no art. 2255. O direito ao meio ambiente equilibrado, consubstanciado no art. 225 da Constituição Federal, tem ligação direta com o direito à saúde, sendo ambos direitos fundamentais cujo dever de proteção incumbe não só ao Poder Público, mas também à coletividade, em benefício das gerações atuais e futuras – o que se convencionou chamar de responsabilidade intergeracional6 ou solidariedade planetária7.
Nota-se que a Lei 13.586/2017 inverte a sistemática de tratamento pelo Estado, concedendo incentivos fiscais a uma atividade econômica com grande potencial poluidor, enquanto olvida de empreender um tratamento adequado às fontes de energia limpa. O patrocínio estatal a uma atividade como a exploração petrolífera não só sanciona a perpetuação do sistema energético atual, pautado no consumo de combustíveis fósseis, bem como desencoraja a promoção e a busca de utilização de fontes de energia menos degradadoras.

É perceptível que, mesmo com os avanços tecnológicos ocorridos nas últimas décadas, o custo de fontes de energia limpa ainda é superior ao das fontes mais poluentes. Entretanto, com os benefícios fiscais compreendidos na lei, a diferença entre custos tende a crescer, desequilibrando ainda mais um mercado que já é tencionado ao uso crescente de energias poluentes, bem mais baratas sob um ponto de vista estritamente econômico. O Poder Público não pode intervir na economia de maneira a resultar ou a acentuar as externalidades8 ou injustiças do mercado, somente podendo agir para mitigá-las ou extingui-las. Por isso, nas hipóteses de intervenção admitidas na Constituição, o Estado deve fazê-lo pautado nos princípios constitucionais da ordem econômica, dentre eles o da defesa do meio ambiente9 (esse, inclusive, é o entendimento de decisão do Supremo Tribunal Federal10). No caso sob análise, ao conceder incentivos o Poder Público não somente desequilibra o mercado, como o faz em favor de uma fonte de energia significativamente poluidora. Essa atuação, conjugada com o intento cada vez maior de taxar energias renováveis, a exemplo da PEC 97/201511, tende a ignorar o preceito constitucional e retroceder os pequenos avanços obtidos no uso de energias menos poluidores dos últimos anos.

Ressalta-se que não é a primeira vez que se discute a incompatibilidade material de normas cujos ditames vão de encontro ao princípio constitucional da defesa do meio ambiente. Em 2016 o Decreto 8.950 foi editado para conceder incentivos fiscais aos agrotóxicos, e foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL. A na ADIn 5.553/DF se defende que a noção de meio ambiente equilibrado é incompatível com o afrouxamento da produção, comercialização e manejo dos agroquímicos, dada a sua potencialidade para expor a riscos não somente aqueles que consomem produtos contaminados por aquelas substâncias, mas também os trabalhadores que lidam com elas.

Outro ponto que merece destaque na análise da Lei 13.586/2017 diz respeito ao princípio da essencialidade tributária, segundo o qual as normas jurídicas tributárias devem atuar no sentido de garantir uma subsistência mínima para a sociedade, consubstanciada na implementação de uma política fiscal diferenciada para aqueles produtos considerados essenciais à dignidade humana12. A concessão de benefícios fiscais nos moldes da legislação analisada busca facilitar a instalação de plantas petrolíferas, bem como a aquisição de insumos e bens de produção ligados sobretudo a fase de prospecção de óleo bruto e seu transporte. A constitucionalidade e coerência do ponto de vista fiscal dos subsídios trazidos, muito embora questionável, não é o enfoque do presente trabalho. No caso, faz-se necessário a compreensão de que o regime fiscal diferenciado afetará de forma ínfima o preço final do combustível vendido ao consumidor no final da cadeia produtiva, se é que chegará a fazê-lo.

Isto porque, os incentivos destacados se revertem em sua maioria a instalação e ampliação das atuais instalações petrolíferas, em um esforço para aumentar a produção que só poderá dar resultados em muitos anos, haja vista o lapso temporal necessário a ampliar as cadeias produtivas de modo relevante. Deste modo, mesmo sendo reconhecida a necessidade atual da população por combustíveis fósseis e seus derivados, percebe-se que o pacote de incentivos foca no consumidor final, somente beneficiando cadeias produtivas na sua atividade de prospecção do óleo bruto. Não vertendo em benefícios à população, o caráter essencial do produto resta afastado, desrespeitando o preceito da essencialidade tributária13.

Na verdade, houve uma tentativa de maquiar o pacote de incentivos para aparentar estar revestido de essencialidade, quando o benefício tão somente se estende à grandes empresas. Assim, através da concessão do tratamento diferenciado que pretende instituir a Lei 13.586/2017, estar-se diante de uma essencialidade às avessas14. Cumpre salientar que os incentivos fiscais também colidem frontalmente com as previsões da Lei 12187/09, instituidora da já citada PNMC, em maior destaque ao art. 5 º, VII15.

Em vista disso, verifica-se que o pacote trazido pela novel legislação está carreado de vícios, em que constam a afronta às diretrizes da ordem econômica trazida pela constituição, ofensa aos acordos internacionais firmados pelo país, contradição em relação à Política Nacional sobre Mudança do Clima, desvirtuamento de princípios do Direito Tributário, bem como uma intervenção apta a acentuar ainda mais o desequilíbrio no mercado energético. Não bastasse a extensa lista explanada acima, ainda há de salientar que a promoção de tantas violações constitucionais importará em altíssima renúncia fiscal, pendente até o ano de 204016. A Lei 13.586/17 se destaca por conseguir reunir tamanha incoerência que afronta cumulativamente preceitos constitucionais caros ao Direito Ambiental, Econômico, Tributário e até mesmo Financeiro.




1 Art. 1o. (…) § 5º Quanto às máquinas, aos equipamentos e aos instrumentos facilitadores aplicados nas atividades de desenvolvimento da produção, a depreciação dedutível, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, deverá ser realizada de acordo com as taxas publicadas periodicamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, para cada espécie de bem, em condições normais ou médias.
2 MARIANO, Jaqueline Barbosa. Impactos ambientais do refino de petróleo. Dissertação (Mestrado em Ciências em Planejamento Energético) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2001, pp. 6-7.
3 Art. 4o. A Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção do sistema climático (…).
4 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (…).
5 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
6 CMMAD. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: FGV, 1988.
7 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: estudos sobre a constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 36.
8 Sobre o conceito de externalidade Fábio Nusdeo afirma o seguinte: “Imagine-se uma lavanderia que estenda roupa lavada em um gramado a fim de secá-las ao sol. Após algum tempo, uma usina metalúrgica instala-se nas vizinhanças e de sua chaminé é expelida fumaça preta, bojada de partículas de fuligem que se depositarão sobre a roupa estendida. Haverá aí um custo adicional para a lavanderia, imposto pela usina. Ou, o que dá na mesma, ela transferiu um custo que era seu, pois ela é a responsável pela combustão imperfeita de onde provém a fuligem. (...) O exemplo pode ser levado adiante. A fumaça preta, certamente, afetará as vias respiratórias dos moradores locais – clientes ou não da lavanderia –, os quais terão custos adicionais com a compra de remédios, consultas médicas ou temporadas para mudança de ar” (NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997). Isso significa que o processo produtivo costuma repassar à sociedade determinado ônus a que se convencionou chamar de externalidades, como se o empresariado socializasse os prejuízos com a coletividade e mantivesse o viés capitalista com relação aos lucros. Daí Ricardo Carneiro entender que a função da legislação ambiental é promover a internalização e a consequente correção das externalidades negativas sob o aspecto ambiental causadas pelo desenvolvimento (Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003).
9 De acordo com o art. 170 da Constituição Federal, são os seguintes os princípios da ordem econômica: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
10 Segundo o STF, “(...) A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. – A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural” (ADI 3540 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2005, DJ 03-02-2006 PP-00014 EMENT VOL-02219-03 PP-00528).
11 A Procuradora Geral da República, Dra. Raquel Dodge, já se manifestou pelo conhecimento e pela procedência da ADI por meio do Parecer 273.198/2017-SFConst/PGR.
12 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
13 MARIANO, Jaqueline Barbosa. Impactos ambientais do refino de petróleo. Dissertação (Mestrado em Ciências em Planejamento Energético) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2001, pp. 6-7.
14 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADIn 5.553/DF. Relator Min. Edson Fachin. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5011612>. Acesso em: 06 de jul. 2018.
15 Art. 5o São diretrizes da Política Nacional sobre Mudança do Clima: (…) VII - a utilização de instrumentos financeiros e econômicos para promover ações de mitigação e adaptação à mudança do clima, observado o disposto no art. 6o (…).
16 Art. 7o As suspensões de tributos previstas nos arts. 5o e 6o desta Lei somente se aplicarão aos fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2040, sem prejuízo da posterior exigibilidade das obrigações estabelecidas nos referidos artigos.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Poluição sonora ultrapassa questão de gosto

POLUIÇÃO SONORA ULTRAPASSA QUESTÃO DE GOSTO
Talden Farias




De acordo com o calendário oficial, o verão começou no hemisfério sul no dia 21 de dezembro, quando ocorreu o solstício dessa estação, fenômeno astronômico marcado pela inclinação do eixo de rotação e pela maior incidência da luz solar sobre a parte sulina do planeta. No Brasil, o período marca as festas de final de ano (Natal e réveillon) e a abertura do veraneio, que coincide com as férias escolares, o recesso judiciário e a maior parte das férias de trabalho.


Em função disso e, obviamente, do clima favorável, essa é a época mais propícia ao aproveitamento das praias e dos ambientes de lazer de maneira geral, bem como à realização de festas, viagens etc. É nesse cenário que a poluição sonora atinge o seu ápice: de norte a sul do país pululam carros e paredões de som, dentre outras manifestações do acontecimento que toma conta dos espaços públicos e compromete e qualidade de vida.


O art. 3°, III da Lei n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) conceitua poluição como "a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos". Logo, a poluição sonora é uma perturbação ao ambiente sonoro que pode causar danos ao sossego e à saúde humana e animal.


A poluição sonora é o tipo mais difuso de poluição, pois em praticamente todos os lugares onde o ser humano habita ou interage existe alguma forma de emissão de ruídos, sendo por isso mais difícil identificar e controlar as suas fontes. Outra característica é que a poluição sonora somente gera os seus efeitos nas proximidades das fontes de emissão, o que não ocorre com a poluição atmosférica ou com a poluição hídrica cujos efeitos podem ser perceptíveis mesmo em longas distâncias. Ainda uma outra característica é que a poluição sonora não deixa nenhuma espécie de resíduo ou registro, a não ser os efeitos acumulados no organismo, de maneira a desaparecer assim que a fonte emissora for interrompida.


Há quem relacione o problema a uma questão de gosto ou de identificação, como se a sonoridade de preferência não pudesse configurar a afronta. No entanto, a poluição sonora consiste apenas no desrespeito a um padrão ambiental previamente estabelecido, que inclusive pode variar conforme o horário, o lugar ou a utilização, pouco importando a modalidade do ruído produzido.


Os efeitos da poluição sonora podem ser classificados em reações físicas e em reações emocionais ou psicológicas. As reações físicas são aumento da pressão sanguínea, aumento do ritmo cardíaco, interrupção do processo digestivo, problemas de ouvido-nariz-garganta, maior produção de adrenalina e de outros hormônios – isso para não falar, obviamente, das restrições auditivas, as dificuldades na comunicação com as pessoas, as dores de ouvido etc, que são os efeitos mais diretos. No caso de exposição mais prolongada existem ainda outros efeitos, como absenteísmo, incidência de úlcera, cefaleias, hipertensão, maior consumo de tranquilizantes, náuseas e perturbações labirínticas. As reações emocionais ou psicológicas são ansiedade, desmotivação, desconforto, excitabilidade, falta de apetite, insônia, medo, perda da libido, tensão e tristeza. Trata-se, sobretudo, de um problema de saúde pública.


Fazendo uso do seu poder de regulamentar os padrões de qualidade ambiental, o CONAMA disciplinou o assunto por meio da Resolução n. 01/90, que encampou os critérios da NBR 10.151 da ABNT, a qual versa sobre a avaliação do ruído em áreas habitadas visando o conforto da comunidade1. A tabela 1 dessa norma dispõe sobre o nível de decibéis (Db) da seguinte maneira: nas áreas de sítios e fazendas o limite pé de 40 diurno e 35 noturno, nas zonas hospitalares de 45 diurno e de 40 noturno, nas zonas residenciais urbanas de 55 diurno e 50 noturno, no centro da cidade de 65 diurno e 60 noturno e nas áreas predominantemente industriais de 70 diurno e 65 noturno. Essa é a norma que versa sobre o assunto em âmbito federal, havendo Estados e Municípios que estabeleceram normais mais rígidas tendo em vista a competência legislativa concorrente2.


O art. 225, § 3° da Constituição Federal de 1988 consagrou a tríplice responsabilidade em matéria ambiental, o que também está previsto no art. 3º da Lei n. 9.605/98. Isso implica dizer que a prática de poluição sonora pode ser responsabilizada administrativa, cível e criminalmente. Na esfera administrativa o infrator está sujeito a sanção de multa3 e embargo dentre outras penalidades, na esfera cível ao pagamento de indenização por danos materiais e/ou morais e na esfera criminal4 à pena de reclusão e multa.


Embora a competência para fiscalizar e para impor sanções administrativas seja comum nos termos do art. 23 da Constituição Federal e da Lei Complementar n. 140/2011, a rigor nesse assunto predominará o interesse local em razão da limita extensão das fontes emissoras. Em vista disso, os Municípios deverão ter o protagonismo nesse tipo de controle por meio de seus órgãos ambientais ou urbanísticos. A Polícia Militar também tem um papel relevante na repressão a isso, uma vez que essa conduta pode ser enquadrada como contravenção penal ou como crime ambiental.


Como a maioria das fontes emissoras se encontra nos lugares mais habitados, a poluição sonora é um problema essencialmente urbano, devendo ser encarada como uma questão de política urbanística. Isso significa que é preciso trabalhar para criar uma cultura de silêncio e de respeito sonoro, o que deve ocorrer de maneira contínua e regular e não apenas nas temporadas de férias ou de festejos. Com efeito, a educação pode gerar efeitos mais duradouros e amplos do que a mera punição, nada obstante seja um processo mais lento.




































1 O art. 8º, I, VI, VII da Lei n. 6.938/81 dispõe sobre a competência do CONAMA para estabelecer os padrões de qualidade ambiental.
2 Ver o art. 24, VI, VII, VIII e 30, I da Constituição Federal.
3 No âmbito federal é possível aplicar a sanção administrativa de multa com base no Decreto n. 6.514/2008: “Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade: Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). Parágrafo único. As multas e demais penalidades de que trata o caput serão aplicadas após laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infração e em conformidade com a gradação do impacto”. É possível, no entanto, que Estados e Municípios apliquem sua própria legislação específica.
4 Na esfera criminal é importante destacar que embora não exista um tipo penal específico, ao contrário do que previa o projeto original da Lei n. 9.605/98. Mas o Decreto-lei n. 3.688/41 enquadrou a poluição sonora como contravenção penal quando estiver em jogo a tranquilidade do indivíduo, tanto no que diz respeito ao seu trabalho quanto ao seu descanso: “Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda. Pena – prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa”. De qualquer forma, a poluição sonora é criminalizada no art. 54 da Lei n. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), que determina pena de reclusão de um a quatro anos e multa, e de detenção de seis meses a um ano e multa se o crime for culposo, no caso de "Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora".

Limites ao poder de polícia do Instituto Chico Mendes

limites ao PODER DE POLÍCIA DO INSTITUTO CHICO MENDES
Talden Farias



Autarquia em regime especial vinculada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi criado pela Medida Provisória 366/2007, que logo depois se converteria na Lei 11.516/2007. Sua existência está relacionada às Unidades de Conservação de âmbito federal, pois o seu principal papel é criar, fomentar, gerir e proteger tais espaços territoriais ecologicamente protegidos, a despeito de a lei prever outros objetivos institucionais acessórios1.

O órgão surgiu a partir de uma divisão do Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que até então era o responsável por todas essas atribuições. Daí a Associação Nacional dos Servidores do IBAMA (ASIBAMA) ter interposto a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4029 junto ao STF sob a alegação de que a citada lei não observou o rito nem os pressupostos constitucionais de urgência e relevância, afora o desrespeito ao art. 225 da Constituição Federal. Com efeito, é difícil vislumbrar o caráter urgente e relevante na criação de um órgão quando existia outro órgão que cumpria a mesma função sem que se tenha conhecimento de maiores prejuízos por conta disso.

Marina Silva, então ministra do Governo Lula, além de querer deixar a sua marca na gestão pública ambiental brasileira, quis prestar uma homenagem a Chico Mendes, ambientalista acreano de renome internacional pela sua atuação em defesa da Amazônia e dos seringueiros. Reverenciado na ONU e ganhador do prêmio Global 500, o ambientalista ajudou a formular o conceito de Reserva Extrativista (Resex), que é uma modalidade de UC que prevê o uso sustentável dos recursos naturais e a regularização fundiária dos espaços para populações tradicionais2.

Dentro do papel de proteger as UC já instituídas, o poder de polícia do ICMBio ganha destaque como instrumento de controle prévio e concomitante ou posterior. Enquanto o primeiro se dá por meio de autorização ou de tomada de ciência, o segundo se manifesta por meio de sanções administrativas, a exemplo de multa simples, embargo ou demolição. Tais penalidades se encontram previstas na Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes e das Infrações Administrativas Ambientais)3 e regulamentados no Decreto 6.514/2008, que dispõe sobre o assunto e estabelece o processo administrativo ambiental no contexto da União. Vale frisar que o art. 70 dessa lei classificou as infrações administrativas ambientais como “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.

É sabido que a competência administrativa em matéria ambiental foi regulamentada pela Lei Complementar 140/2011, que procurou apontar da maneira mais clara possível a competência da União4. No entanto, esse diploma legal não cita expressamente nenhum dos dois órgãos federais integrantes do SISNAMA, qual sejam, o ICMBio e o IBAMA. Diante disso, concerne ao interessado procurar na legislação ordinária e nas demais fontes do Direito o critério adequado para a repartição de competência entre os dois órgãos.

No que diz respeito à autorização e à ciência ambiental, é preciso esclarecer que o ICMBio não é órgão responsável pelo licenciamento ambiental, ao contrário do que acontece com o IBAMA e com a maioria dos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente. Entretanto, quando a atividade a ser licenciada puder afetar UC federal ou sua Zona de Amortecimento (ZA)5 aquele órgão deve necessariamente ser informado, nos termos do que determina a Lei 9.985/2000 (Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza)6. Conquanto o conteúdo dessa ciência não esteja regulamentado, parece razoável a compreensão de que se trata de uma comunicação acerca da existência do licenciamento e do tipo da atividade envolvida, incumbindo ao ICMBio solicitar cópia integral do processo caso ache pertinente.

Na verdade, o que é levado em conta é a possibilidade ou não de efetivo impacto ambiental, ainda que este seja meramente potencial, à área da UC ou de sua ZA. A Resolução 428/2010 do CONAMA regulamentou esse dispositivo, ao dispor que no caso de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) será necessário a autorização do ICMBio, ao passo que nas demais situações basta a simples ciência7.

Insta falar que primeira hipótese o órgão poderá influenciar o Termo de Referência (TR) do próprio estudo ambiental, embora sempre limitado à sua esfera de ação8. Contudo, tanto em uma situação quanto em outra a comunicação deve ocorrer antes da concessão da licença prévia, pois não faz sentido o órgão tomar conhecimento somente quando a atividade se encontrar consolidada ou em fase de consolidação, até porque dessa forma seria mais difícil reverter eventual lesão.

Já no que diz respeito às sanções administrativas, impende dizer que somente os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) designados para as atividades de fiscalização poderão lavrar auto de infração ambiental – a única exceção são os agentes da Capitania dos Portos, consoante determina o § 1º do art. 70 dessa lei. É importante destacar isso porque o ICMBio só passou a integrar efetivamente o SISNAMA a partir da Lei 12.856/2013, que alterou o inciso IV do art. 6º da Lei 6.938/819, fato que aconteceu mais de seis anos após a criação da autarquia. Destarte, todas as sanções administrativas aplicadas até então eram passíveis de anulação tendo em vista a inobservância do princípio da legalidade.

Enquanto o IBAMA tem competência para fiscalizar e impor penalidades administrativas e fazer licenciamento ambiental, ao ICMBio também incumbe fiscalizar e impor sanções administrativas – com a diferença de que essa atribuição deve necessariamente estar vinculada à proteção das UCs federais. Como a competência fiscalizatória é comum, estando apenas restrita ao limite da jurisdição de cada órgão, resta saber a quem cabe impor penalidades administrativas em tais localidades.

Pois bem, a Lei Complementar n. 140/2011 estabeleceu que a competência do ente licenciador deve prevalecer face a dos demais órgãos ambientais, no tocante à imposição de sanções administrativas, tendo em vista o princípio da especialidade10. Com efeito, presume-se que o órgão responsável pelo licenciamento daquele tipo de atividade tenha mais expertise para afirmar no âmbito administrativo se houve ou não irregularidade. Então, a ocorrência ou a permanência da multa e do embargo, por exemplo, no âmbito administrativo, estão sujeitos à decisão do órgão licenciador.

É pelo mesmo critério de especialidade que na UC e na sua ZA a competência prevalente deverá ser a do ICMBio, independente de quem seja o órgão licenciador. Cuida-se, portanto, de uma modalidade de competência prevalente, a qual se dá em razão da obrigação de proteger o espaço territorial ecologicamente protegido previsto no inciso III do § 1º do art. 225 da Constituição Federal e no art. 1º da Lei 11.516/2007.

Isso significa que o poder de polícia do IBAMA nessas situações é supletivo, conforme ordena o parágrafo único do art. 1º da Lei n 11.516/2007. De mais a mais, a própria Advocacia Geral da União (AGU) reconheceu a prevalência da atuação do ICMBio nessa seara por meio da Orientação Jurídica Normativa (OJN) 17/201011 o protagonismo do ICMBio nessa seara. Daí a doutrina entender que não prevalece apenas o auto de infração, mas o entendimento desse órgão, inclusive o entendimento de que não houve irregularidade12.

Por questão de lógica, essa atuação deve predominar também sobre licenciamentos feitos por outros entes, situação que tende a ser comum nas ZAs, pois do contrário a autarquia estaria impedida de cumprir a sua função – que, obviamente, é defender as UCs. Vale a pena salientar que a regra que excetua as Áreas de Proteção Ambiental (APAs)13 do critério da dominialidade não altera em nada o papel do ICMBio, uma vez que a proteção às UCs independe de quem seja o ente licenciador.


Nessa ordem de pensamento, a AGU reconheceu na mencionada OJN que o ICMBio também pode fazer uso do seu poder de polícia diante de atividades que ameacem a área protegida, mesmo quando estas se localizarem fora da UC e da própria ZA, desde que seja em prol daquela14. Não poderia ser diferente, pois de outra forma o órgão poderia não desempenhar a sua missão à contento, o que desrespeitaria a lei e o próprio Texto Constitucional. Todavia, é evidente que o órgão deverá fazer uso da sua discricionariedade técnica para justificar a decisão de aplicar uma sanção administrativa fora da sua área de atuação convencional, já que se trata de uma excepcionalidade.



1 Art. 1º. Fica criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Instituto Chico Mendes, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de: I - executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União; II - executar as políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e ao apoio ao extrativismo e às populações tradicionais nas unidades de conservação de uso sustentável instituídas pela União; III - fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental; IV - exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela União; e V - promover e executar, em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos, programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas unidades de conservação, onde estas atividades sejam permitidas.
2 A RESEX é classificada como uma das UCs de uso sustentável, que são aquelas onde é possível compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais (art. 7º, II, § 2º). A respeito do assunto, a Lei 9.985/2000 dispõe o seguinte: “Art. 18. A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade (...)”.
3 Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: I - advertência; II - multa simples; III - multa diária; IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; V - destruição ou inutilização do produto; VI - suspensão de venda e fabricação do produto; VII - embargo de obra ou atividade; VIII - demolição de obra; IX - suspensão parcial ou total de atividades; X – (vetado); XI - restritiva de direitos (...).
4 Já entre as competências estadual e municipais existe uma grande zona cinzenta.
5 Segundo o inciso XVIII do art. 2º dessa lei, a ZA é “o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade”. Inobstante não fazer parte da UC, sua finalidade é protegê-la impondo restrições à ocupação da área circundante para evitar o efeito de borda consistente na interferência negativa das atividades externas.
6 Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei. (...) § 3º Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo.
7 Art. 1º O licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental que possam afetar Unidade de Conservação (UC) específica ou sua Zona de Amortecimento (ZA), assim considerados pelo órgão ambiental licenciador, com fundamento em Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), só poderá ser concedido após autorização do órgão responsável pela administração da UC ou, no caso das Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN), pelo órgão responsável pela sua criação.
Art. 5º Nos processos de licenciamento ambiental de empreendimentos não sujeitos a EIA/RIMA o órgão ambiental licenciador deverá dar ciência ao órgão responsável pela administração da UC, quando o empreendimento: I – puder causar impacto direto em UC; II – estiver localizado na sua ZA; III – estiver localizado no limite de até 2 mil metros da UC, cuja ZA não tenha sido estabelecida no prazo de até 5 anos a partir da data da publicação desta Resolução. III – estiver localizado no limite de até 2 mil metros da UC, cuja ZA não tenha sido estabelecida no prazo de até 5 anos a partir da data da publicação da Resolução nº 473, de 11 de dezembro de 2015.
8 Art. 2° da resolução.
9 Art. 6º. Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, assim estruturado: (...) IV - órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, com a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências (...).
10 Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada (...). No mesmo sentido os arts. 7º, XIII, 8º, XIII e 9º, XIII.
11 (...) 3. A competência fiscalizatória do IBAMA para a proteção das Unidades de Conservação Federais e respectivas Zonas de Amortecimento está condicionada a que a autarquia federal primariamente competente (ICMBio), por qualquer razão injustificada, deixe de atuar quando deveria. É possível ainda que o IBAMA atue em regime de cooperação com o ICMBio, desde que lhe seja solicitada tal colaboração (ementa da OJN n. 17/2010/PFE-IBAMA/PGF/AGU).
12 Antes da edição da LC 140/11, a AGU entendeu que, “ocorrendo dupla autuação em face do mesmo infrator e sobre os mesmos fatos, prevalecerá o auto de infração lavrado em primeiro lugar” (OJN 17/2010/PFE-IBAMA/PGF/AGU). / Entretanto, deve-se atentar ao fato de que o Ibama somente deverá autuar quando houver omissão do ICMBio, o que pressupõe uma provocação desse e não pura e simplesmente um ilícito ambiental dentro de uma UC ou de sua ZA não fiscalizado. A regra do artigo 17, § 2º, da LC 140/11, por analogia, pode ajudar a caracterizar a inércia do órgão gestor da UC. / Caso o ICMBio entenda não haver sanção a ser aplicada, deve prevalecer o seu entendimento, uma vez que não se poderá falar em inércia que deflagre a competência supletiva. Não se faz necessário a analogia com o artigo 17, § 3º, da LC 140/2011 (BIM, Eduardo Fortunato. Licenciamento ambiental. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 77).
13 De acordo com o art. 15 da Lei n. 9.985/2000, “A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”. De acordo com a Lei Complementar 140/2011, o ente instituidor da UC é também o responsável pelo licenciamento ambiental das atividades ali localizadas ou desenvolvidas (art. 7º, XIV, d, 8º, XV e 9, XIX, b).
14 (...) 6. Visando evitar conflito de competência entre IBAMA e ICMBio, quando esta autarquia pretender realizar fiscalização fora das unidades de conservação e zonas de amortecimento deverá motivar seu ato baseado em circunstâncias que justifiquem a adoção da medida como forma de proteção de uma UC. A ausência de motivação poderá acarretar vício de competência por parte do ICMBio (ementa da OJN n. 17/2010/PFE-IBAMA/PGF/AGU).

Efeitos da Lei Complementar 140/2011 na cobrança da TCFA

EFEITOS DA LEI COMPLEMENTAR 140/2011 NA COBRANÇA DA TCFA
Talden Farias




A Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA) foi criada pela Lei n. 10.165/2000, que a inseriu na Lei n. 6.938/81, a qual dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente, ao modificar os arts. 17-B, 17-C, 17-D, 17-F, 17-G, 17-H, 17-I e 17-O e ao acrescentar os arts. 17-P, 17-Q e os anexos VIII e IX. De acordo com a lei citada, o fato gerador dessa taxa é o exercício regular do poder de polícia para fiscalizar e promover o controle ambiental:


Art. 17-B. Fica instituída a – TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.


Trata-se de um tributo instituído pela União e cobrado pelo IBAMA no exercício do seu poder de polícia no tocante às atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, que a princípio são aquelas sujeitas ao licenciamento ambiental. Contudo, somente se enquadram como contribuintes as pessoas físicas ou jurídicas que desempenhem alguma das atividades descritas no anexo VIII da lei citada, uma vez que o princípio da legalidade desobriga os empreendimentos não listados ainda que degradadores.


É sabido que a taxa pode ter por fato gerador o exercício do poder de polícia ou o uso de serviços públicos específicos e divisíveis prestados postos à disposição do cidadão, conforme estabelecem o Código Tributário Nacional1 e a Constituição Federal de 19882. Os conceitos de poder de polícia e de serviços públicos também estão previstos no Código Tributário Nacional:


Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.


Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:
I - utilizados pelo contribuinte:
a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;
II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas;
III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.


Entretanto, a taxa não pode ser cobrada em cima do exercício do poder de polícia ou da prestação de um serviço realizado por outro ente federativo, pois somente assim a sua existência se justificaria. Impende dizer que, além de ser uma questão de lógica, a própria Lei Fundamental proíbe expressamente tal prática:


Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(…)
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;


A respeito desse assunto o Prof. Ricardo Lodi Ribeiro, afirma o seguinte:


Deste modo, não é legítima a cobrança de taxa ambiental por determinado ente federativo que se vincule à manifestação do poder de polícia da competência material de outro integrante da Federação, ainda que este último não exerça a tributação sobre a atividade ou permita a dedução do valor a ele pago do montante que será devido, como levado a efeito pelo artigo 17-P da Lei Federal n. 6.938/81, em procedimento que foi acolhido pelo parágrafo único do artigo 6º da Lei n. 7.182/15. Se o poder de política previsto pela lei estadual não estiver na competência ambiental do Estado, nem a dedução ou compensação salvará a legitimidade da taxa. A rigidez do nosso sistema tributário não permite que a cooperação entre os entes federativos chegue ao ponto de admitir que o não exercício da competência tributária por um dos entes federativos abra caminho para o seu desempenho por outro (art. 8º do CTN).
Por isso, é necessária a investigação de que entidade federativa é competente para o exercício do poder de polícia a que se vincula a TFPG. É essa investigação que se passa a proceder3.


O IBAMA exige a TCFA de qualquer uma das atividades relacionadas, independentemente de quem seja o ente licenciador, o que vem acontecendo desde a edição da Lei 10.165/2000. Com efeito, o STF vem considerando a norma constitucional, tendo inclusive não conhecido das ADIs 2.422/2001, 2.423/2001 e 2.451/2001 interpostas pela Confederação Nacional da Indústria4.


É bem verdade que essa constitucionalidade não deixou de ser questionada sob o argumento de que a União não tinha um completo poder de polícia sobre tais atividades, uma vez que dividia a responsabilidade com as demais entidades federativas. Foi, no entanto, exatamente a competência administrativa ambiental comum prevista no art. 23, III, IV, VI e VII da Carta Cidadã que fez com que legitimou a cobrança – pois se o ente federal tinha poder de polícia para atuar na área, tinha ele também legitimidade para cobrar.


Acontece que a edição da Lei Complementar 140/2011, que regulamentou a competência administrativa em matéria ambiental em atendimento ao parágrafo único do dispositivo constitucional citado, trouxe algumas implicações à matéria. É que a responsabilidade comum absoluta e indistinta deixou de existir, já que essa lei passou a vincular a atribuição para fazer o controle ambiental ao licenciamento ambiental:


Art. 7º. São ações administrativas da União:
(…)
XIII - exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida à União;


Art. 8º. São ações administrativas dos Estados:
(…)
XIII - exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida aos Estados;


Art. 9º. São ações administrativas dos Municípios:
(…)
XIII - exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida ao Município;


Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.


Sendo assim, para saber quem pode fiscalizar e impor sanções administrativas, a exemplo de embargo e multa, é preciso identificar o ente licenciador. É claro que a própria lei citada tratou disso, uma vez que essa era a sua incumbência constitucional expressa:


Art. 7º. São ações administrativas da União:
(…)
XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:
a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no brasil e em país limítrofe;
b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva;
c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;
d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela união, exceto em áreas de proteção ambiental (apas);
e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais estados;
f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do poder executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das forças armadas, conforme disposto na lei complementar no 97, de 9 de junho de 1999;
g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da comissão nacional de energia nuclear (cnen); ou
h) que atendam tipologia estabelecida por ato do poder executivo, a partir de proposição da comissão tripartite nacional, assegurada a participação de um membro do conselho nacional do meio ambiente (conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento;


Art. 8º. são ações administrativas dos Estados:
(…)
XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7º e 9º;


Art. 9º. são ações administrativas dos Municípios:
(…)
XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta lei complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos conselhos estaduais de meio ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou
b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo município, exceto em áreas de proteção ambiental (apas);


Afora a relevância ambiental da definição do órgão responsável pelo controle ambiental, os dispositivos transcritos também servem para apontar a quem incumbe cobrar as taxas baseadas no poder de polícia relacionadas à atuação ambiental. Isso implica dizer que o IBAMA só poderá cobrar a TCFA das atividades sob sua tutela, cabendo aos Estados e Municípios instituir cobrança de taxa semelhante quanto aos empreendimentos de sua responsabilidade (é claro que para isso ocorrer a taxa deverá ser instituída por lei e cumprir todos os requisitos legais, assim como se deu com a TCFA).


Portanto, desde o final do ano de 2011, com a edição da Lei Complementar 140, não é mais possível a cobrança da TCFA em relação às atividades de competência licenciatória estadual e municipal haja vista a regulamentação da competência administrativa em matéria ambiental. Isso não significa que se questiona a constitucionalidade do tributo, mas tão somente a sua cobrança em cima de uma atividade cuja competência para fiscalizar e controlar pertence a outro ente federativo.
























1 Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
2 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
3 RIBEIRO, Ricardo Lodi. O Poder de Polícia Ambiental e a Competência para Instituir Taxas. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Ricardo-Lodi-Ribeiro/o-poder-de-policia-ambiental-e-a-competencia-para-instituir-taxas. No mesmo sentido caminha o artigo “Taxa de fiscalização só pode ser criada quando poder de polícia é exercido”, de André Saddy: https://www.conjur.com.br/2015-fev-15/taxa-fiscalizacao-criada-poder-policia-exercido.
4 (…) Em conclusão: o exame das razões invocadas pelo eminente Advogado-Geral da União e ratificadas pela douta Procuradoria-Geral da República justifica a decisão ora agravada, no sentido da incognoscibilidade das presentes ações diretas, eis que se impunha, no caso, a impugnação “de todo o complexo normativo em que se insere a disciplina legal pós-constitucional da atribuição de poder de fiscalização ambiental à União, decorrente do disposto no art. 23 da Constituição Federal”, revelando-se incabível, por isso mesmo, o questionamento meramente tópico, seletivo e fragmentário de determinadas regras legais, tal como pretendido pelas Confederações sindicais que fizeram instaurar este processo de controle normativo abstrato (ADI 2.422/2001, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 145, 15/08/2001).