DISCUSSÃO
A RESPEITO DA POSSIBILIDADE DE AGILIZAÇÃO DO LICENCIAMENTO
AMBIENTAL
Talden
Farias
É
certo que uma das discussões mais importantes da área ambiental na
atualidade é sobre a possibilidade ou não de flexibilização do
licenciamento ambiental. O pano de fundo é sempre o da busca pelo
estímulo às atividades econômicas, facilitando a obtenção da
licença ambiental ou mesmo instituindo a desnecessidade da mesma.
A
despeito de algumas vozes contrárias, o fato é que a flexibilização
pode e deve ser almejada, pois a eficiência é um dos princípios
constitucionais da Administração Pública1.
Afora a evidente obrigação de se procurar aperfeiçoar as
instituições e os institutos públicos, impende dizer que a
Constituição Federal de 1988 dispõe que em matéria de meio
ambiente as exigências devem ser proporcionais aos impactos
ambientais gerados2.
Existe,
todavia, um limite para tanto, pois a supressão ou a fragilização
do sistema de controle ambiental é inconstitucional. É que o inciso
V do §1º do art. 225 da Lei Maior reza que, para assegurar a
efetividade do direito ao meio ambiente, incumbe ao Poder Público
“controlar a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente”3.
Não
se pode esquecer que o licenciamento é apontado por parte da
doutrina especializada como o mais importante mecanismo de controle
ambiental no Brasil4.
Por
visar a dar concretude ao caput
do art. 225 da Carta Magna, o qual consagra o meio ambiente como
direito difuso e como direito fundamental da pessoa humana, a
flexibilização do licenciamento deve se dar sobretudo no aspecto
instrumental. Quanto ao aspecto material, a sua facilitação só
pode ocorrer quando houver comprovação técnica de não
comprometimento do controle ambiental, uma vez que estão em jogo
valores como proteção dos processos ecológicos essenciais,
qualidade de vida, saúde etc.
O
maior exemplo de tentativa equivocada de flexibilização é a
institucionalização da dispensa da exigência de licença ambiental
para as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, o que
contraria o inciso V mencionado e o art. 10 da Lei 6.938/815.
Com efeito, a dispensa só poderá acontecer se o órgão ambiental
constatar no caso concreto que a atividade em questão não é capaz
de gerar uma poluição socialmente relevante (vide artigo nosso
anterior:
https://www.conjur.com.br/2017-abr-29/ambiente-juridico-dispensa-licenciamento-ambiental-exige-decisao-fundamentada).
Daí
ser mais adequado falar em agilização do que em flexibilização ou
facilitação do licenciamento ambiental, já que essa expressão
pode levar a entendimentos equivocados. Nessa ordem de ideias, é
possível citar os seguintes exemplos de possibilidade de agilização
do licenciamento ambiental:
Incorporação
da licença prévia à licença de instalação
O
modelo trifásico é a regra no licenciamento ambiental brasileiro,
segundo o art. 19 do Decreto n. 99.274/90 e o art. 8º da Resolução
n. 237/97 do CONAMA, estando o mesmo dividido nas etapas de licença
prévia, licença de instalação e licença de operação. É na
primeira fase que se aprova a localização e a concepção da
atividade, atestando assim a sua viabilidade ambiental, sendo por
isso considerada a mais importante de todas. A despeito disso, o fato
é que se cuida de uma licença de concepção, pois a princípio não
ocorre qualquer alteração no mundo dos fatos. Por isso, nada impede
a sua incorporação em uma fase preliminar da licença de
instalação, como acontecia em alguns Estados antes da edição do
Decreto n. 88.351/83 (o primeiro a regulamentar a Lei n. 6.938/81), o
que poderia se dar na forma de uma certidão ou relatório técnico
aprovado pela autoridade competente. Isso deverá contribuir para a
diminuição da burocracia sem causar prejuízo à qualidade do
controle ambiental. Impor recordar que no início da implementação
do licenciamento ambiental no país o modelo predominante não previa
a licença prévia, pois se espelhava no modelo estadunidense, o qual
abarcava apenas o correspondente à licença de instalação e à
licença de operação.
Licenciamento
autodeclaratório na renovação
O
licenciamento ambiental autodeclaratório nasceu inspirado no sistema
do pagamento de imposto de renda, quando o contribuinte repassa
informações diretamente à Receita Federal, sendo essas tomadas a
princípio como verdadeiras. Depois, no entanto, o órgão pode
confrontar tais informações e pedir esclarecimentos ou mesmo punir
o interessado por conta de uma informação equivocada. É evidente
que no direito ambiental absorção desse sistema é problemática em
razão do princípio da prevenção e da precaução, posto que
muitas vezes o dano ambiental é de irreversível ou de difícil
reversibilidade. Realmente, não há como saber se aquela atividade
vai ou não destruir sítio arqueológico, uma área de mangue ou uma
área de mata atlântica primária a não ser com a fiscalização in
locu.
Por isso o licenciamento autodeclaratório é e deve ser mesmo visto
com tanta desconfiança, a não ser quando se tratar do pedido de
renovação da licença ambiental. Nessa situação não há razões
objetivas para a não aceitação dessa sistemática, desde que não
haja alterações quantitativas nem qualitativas no objeto da
licença. Não se pode esquecer que a própria legislação prevê a
prorrogação automática caso o interessado tenha feito o pedido com
120 dias de antecedência6.
Regulamentação
da facilitação no pagamento do licenciamento ambiental em casos de
relevância social
A
Administração Pública pode regulamentar a dispensa do pagamento do
custo de análise ou da taxa de licenciamento ambiental no intuito de
estimular determinadas atividades econômicas, sempre levando em
consideração a dimensão social do desenvolvimento. Os melhores
exemplos, nesse cenário, seriam a construção de habitação
social, os pequenos empreendedores de maneira geral e as populações
tradicionais. O estímulo às microempresas e às empresas de pequeno
porte pode se dar por meio da dispensa, do desconto ou da divisão
desse tipo de despesa, o que inclusive estaria em consonância com o
art. 179 do Texto Fundamental7.
Publicação
do requerimento e da concessão da licença ambiental apenas na
página do órgão ambiental
A
Resolução n. 06/86 do CONAMA dispõe sobre os modelos de publicação
de requerimento e de concessão de licença ambiental, o que deveria
ser feito em jornal de grande circulação e em publicação oficial
do ente licenciador. Depois a Resolução n. 281/2001 do CONAMA
estabeleceu que modelos mais simples de publicação poderiam ser
usados nos casos de licenciamento ambiental sem EIA/RIMA, embora
mantendo a exigência de publicação tanto do requerimento quanto da
concessão de cada licença ambiental, seja licença prévia, licença
de instalação, Licença de Operação ou a renovação desta. Mais
recentemente a Lei Complementar 140/2011, que regulamenta os incisos
III, IV e VII do art. 23 da Constituição Federal e dispõe a
competência administrativa em matéria ambiental, alterou o art. 10
da Lei 6.938/81, tratou das seguintes opções em matéria de
publicidade: a) pode-se publicar o requerimento e a concessão da
licença ambiental simultaneamente no jornal oficial e em um jornal
de grande circulação ou b) pode-se publicar em página na rede
mundial de computadores mantida pelo órgão ambiental competente8.
Sendo assim, fica muito mais célere, econômico e transparente
publicar na própria homepage do órgão ambiental tais informações
(requerimento e concessão de cada licença ambiental), uma vez que
não é mais obrigatório a publicação em jornal oficial e jornal
de grande circulação.
Utilização
de prazos maiores na concessão das licenças ambientais
Quando
o inc. IV do art. 9º e o §1º do art. 10 da Lei 6.938/81 previram
respectivamente a revisão e a renovação do licenciamento, o
legislador quis destacar o tempo
limitado de eficácia de uma licença em face da necessidade de rever
padrões de qualidade que a cada dia são mais rapidamente
ultrapassados tecnologicamente9.
Essa matéria foi regulamentada pelo CONAMA, que fixou os prazos de
validade das licenças
ambientais na Resolução 237/97: a) na licença prévia deve ser no
mínimo aquele estabelecido pelo cronograma de elaboração dos
planos, programas e projetos relativos à atividade, não podendo ser
superior a cinco anos; b) na licença de instalação deve ser no
mínimo aquele estabelecido pelo cronograma de instalação da
atividade, não podendo ser superior a seis anos; e c) na licença de
operação deve ser de no mínimo quatro anos e no máximo dez anos10.
Ocorre que, a despeito disso, muitas vezes as licenças ambientais
são expedidas com prazos de dois anos, um ano ou até menos, o que
ocorre especialmente com a licença de
operação. A questão é que não faz sentido estabelecer prazos
menores para a maioria dos empreendimentos, o que, além de não
contribuir para aumentar a qualidade do controle ambiental no caso
específico, ainda termina gerando uma burocracia desnecessária para
o próprio órgão ambiental, que de repente se vê atolado em um
número bem maior de processos do que deveria haver e
por isso termina não dando conta direito de suas atribuições.
Regulamentação
do licenciamento ambiental simplificado
Com
relação às atividades de menor porte ou de menor potencial
ofensivo, o órgão ambiental deverá estabelecer um procedimento
simplificado para essas atividades, independentemente da fase em que
se encontrarem, tendo em vista o §1º do art. 12 da Resolução
237/97 do Conama prever que “poderão ser estabelecidos
procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de
pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados
pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente”. Realmente, não faz
sentido submeter um lava-jato, um barzinho ou qualquer outro
empreendimento de menor potencial poluidor ao licenciamento
trifásico, posto que isso implica em perda de tempo e de dinheiro
para o cidadão e para a Administração Pública. Logo, faz-se
necessário justificar tecnicamente e, em seguida, regulamentar as
situações em que o licenciamento ambiental simplificado é
pertinente.
Articulação
direta com os demais órgãos envolvidos no licenciamento ambiental
No
que diz respeito às obras públicas ou de interesse público, por
exemplo, é possível estabelecer a sua priorização dentro do
cronograma de trabalho do órgão competente, bem como tentar fazer a
articulação com os chamados órgãos ambientais intervenientes a
fim de acelerar os tramites. Foi o que aconteceu com a Lei
13.334/2016, que instituiu o Cria o Programa de Parcerias de
Investimentos – PPI, e que procura priorizar determinados
licenciamentos, notadamente na área de infraestrutura11.
O objetivo é impedir que algum órgão interveniente suscite algum
problema depois, quando o licenciamento ambiental já estiver
consolidado ou prestes a sê-lo.
Inexigência
de licenciamento ambiental para certas atividades cujo escopo diz
muito mais respeito ao licenciamento urbanístico
É
sabido que a licença ambiental não substitui a licença urbanística
nem outros atos administrativos que podem ser solicitados a depender
da situação, a exemplo da outorga de uso de recursos hídricos ou
do título minerário. Isso implica dizer que para as questões
urbanísticas se exige o alvará de construção, de reforma, de
demolição e de localização ou funcionamento, que são os formatos
dados a esse tipo de licença cuja competência é municipal por
força do art. 182 da Constituição Federal. Ocorre que por vezes os
órgãos ambientais têm exigido o licenciamento de atividades cujos
impactos poderiam ser adequadamente tratados pelo licenciamento
urbanístico e/ou pelo plano de gerenciamento de resíduos, a exemplo
da construção de casas em áreas com infraestrutura ou da
edificação ou reforma de pequenas praças ou monumentos públicos.
1
Art.
37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…).
2
Art.
170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: (…) VI
- defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e
de seus processos de elaboração e prestação; (…).
3
Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. §
1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público: (…) V - controlar a produção, a comercialização e o
emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco
para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (…).
4
A
título de exemplo: OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução
à legislação ambiental brasileira e licenciamento ambiental.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 367 e RIBEIRO, José Cláudio
Junqueira. O que é licenciamento ambiental. In: RIBEIRO, José
Cláudio Junqueira (Org.). Licenciamento
ambiental:
herói, vilão ou vítima? Belo Horizonte: Arraes, 2015, p. 10.
5
Art.
10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de
estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais,
efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma,
de causar degradação ambiental dependerão de prévio
licenciamento ambiental.
6
Art.
14. Os órgãos licenciadores devem observar os prazos
estabelecidos para tramitação dos processos de licenciamento. (…)
§
4o
A renovação de licenças ambientais deve ser requerida com
antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de
seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este
automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão
ambiental competente.
7
Art.
179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte,
assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a
incentivá-las pela simplificação de suas obrigações
administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou
pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
8
Art.
10 (…) § 1º. Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a
respectiva concessão serão publicados no jornal oficial, bem como
em periódico regional ou local de grande circulação, ou em meio
eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental
competente.
9
MILARÉ,
Édis. Direito
do ambiente.
3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 494.
10
Art.
18 - O órgão ambiental competente estabelecerá os prazos de
validade de cada tipo de licença, especificando-os no respectivo
documento, levando em consideração os seguintes aspectos: I - O
prazo de validade da Licença Prévia (LP) deverá ser, no mínimo,
o estabelecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas
e projetos relativos ao empreendimento ou atividade, não podendo
ser superior a 5 (cinco) anos. II - O prazo de validade da Licença
de Instalação (LI) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo
cronograma de instalação do empreendimento ou atividade, não
podendo ser superior a 6 (seis) anos. III - O prazo de validade da
Licença de Operação (LO) deverá considerar os planos de controle
ambiental e será de, no mínimo, 4 (quatro) anos e, no máximo, 10
(dez) anos. § 1º - A Licença Prévia (LP) e a Licença de
Instalação (LI) poderão ter os prazos de validade prorrogados,
desde que não ultrapassem os prazos máximos estabelecidos nos
incisos I e II. § 2º - O órgão ambiental competente poderá
estabelecer prazos de validade específicos para a Licença de
Operação (LO) de empreendimentos ou atividades que, por sua
natureza e peculiaridades, estejam sujeitos a encerramento ou
modificação em prazos inferiores.
11
Art. 17. Os órgãos, entidades e autoridades estatais, inclusive as
autônomas e independentes, da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, com competências de cujo exercício
dependa a viabilização de empreendimento do PPI, têm o dever de
atuar, em conjunto e com eficiência, para que sejam concluídos, de
forma uniforme, econômica e em prazo compatível com o caráter
prioritário nacional do empreendimento, todos os processos e atos
administrativos necessários à sua estruturação, liberação e
execução. § 1º. Entende-se por liberação a obtenção de
quaisquer licenças, autorizações, registros, permissões,
direitos de uso ou exploração, regimes especiais, e títulos
equivalentes, de natureza regulatória, ambiental, indígena,
urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de
proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária,
tributária, e quaisquer outras, necessárias à implantação e à
operação do empreendimento. § 2º. Os órgãos, entidades e
autoridades da administração pública da União com competências
setoriais relacionadas aos empreendimentos do PPI convocarão todos
os órgãos, entidades e autoridades da União, dos Estados, do
Distrito Federal ou dos Municípios, que tenham competência
liberatória, para participar da estruturação e execução do
projeto e consecução dos objetivos do PPI, inclusive para a
definição conjunta do conteúdo dos termos de referência para o
licenciamento ambiental.