sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Discussão a Respeito da Possibilidade da Agilização do Licenciamento Ambiental

DISCUSSÃO A RESPEITO DA POSSIBILIDADE DE AGILIZAÇÃO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Talden Farias


É certo que uma das discussões mais importantes da área ambiental na atualidade é sobre a possibilidade ou não de flexibilização do licenciamento ambiental. O pano de fundo é sempre o da busca pelo estímulo às atividades econômicas, facilitando a obtenção da licença ambiental ou mesmo instituindo a desnecessidade da mesma.

A despeito de algumas vozes contrárias, o fato é que a flexibilização pode e deve ser almejada, pois a eficiência é um dos princípios constitucionais da Administração Pública1. Afora a evidente obrigação de se procurar aperfeiçoar as instituições e os institutos públicos, impende dizer que a Constituição Federal de 1988 dispõe que em matéria de meio ambiente as exigências devem ser proporcionais aos impactos ambientais gerados2.

Existe, todavia, um limite para tanto, pois a supressão ou a fragilização do sistema de controle ambiental é inconstitucional. É que o inciso V do §1º do art. 225 da Lei Maior reza que, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, incumbe ao Poder Público “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”3. Não se pode esquecer que o licenciamento é apontado por parte da doutrina especializada como o mais importante mecanismo de controle ambiental no Brasil4.

Por visar a dar concretude ao caput do art. 225 da Carta Magna, o qual consagra o meio ambiente como direito difuso e como direito fundamental da pessoa humana, a flexibilização do licenciamento deve se dar sobretudo no aspecto instrumental. Quanto ao aspecto material, a sua facilitação só pode ocorrer quando houver comprovação técnica de não comprometimento do controle ambiental, uma vez que estão em jogo valores como proteção dos processos ecológicos essenciais, qualidade de vida, saúde etc.

O maior exemplo de tentativa equivocada de flexibilização é a institucionalização da dispensa da exigência de licença ambiental para as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, o que contraria o inciso V mencionado e o art. 10 da Lei 6.938/815. Com efeito, a dispensa só poderá acontecer se o órgão ambiental constatar no caso concreto que a atividade em questão não é capaz de gerar uma poluição socialmente relevante (vide artigo nosso anterior: https://www.conjur.com.br/2017-abr-29/ambiente-juridico-dispensa-licenciamento-ambiental-exige-decisao-fundamentada).

Daí ser mais adequado falar em agilização do que em flexibilização ou facilitação do licenciamento ambiental, já que essa expressão pode levar a entendimentos equivocados. Nessa ordem de ideias, é possível citar os seguintes exemplos de possibilidade de agilização do licenciamento ambiental:

Incorporação da licença prévia à licença de instalação

O modelo trifásico é a regra no licenciamento ambiental brasileiro, segundo o art. 19 do Decreto n. 99.274/90 e o art. 8º da Resolução n. 237/97 do CONAMA, estando o mesmo dividido nas etapas de licença prévia, licença de instalação e licença de operação. É na primeira fase que se aprova a localização e a concepção da atividade, atestando assim a sua viabilidade ambiental, sendo por isso considerada a mais importante de todas. A despeito disso, o fato é que se cuida de uma licença de concepção, pois a princípio não ocorre qualquer alteração no mundo dos fatos. Por isso, nada impede a sua incorporação em uma fase preliminar da licença de instalação, como acontecia em alguns Estados antes da edição do Decreto n. 88.351/83 (o primeiro a regulamentar a Lei n. 6.938/81), o que poderia se dar na forma de uma certidão ou relatório técnico aprovado pela autoridade competente. Isso deverá contribuir para a diminuição da burocracia sem causar prejuízo à qualidade do controle ambiental. Impor recordar que no início da implementação do licenciamento ambiental no país o modelo predominante não previa a licença prévia, pois se espelhava no modelo estadunidense, o qual abarcava apenas o correspondente à licença de instalação e à licença de operação.

Licenciamento autodeclaratório na renovação

O licenciamento ambiental autodeclaratório nasceu inspirado no sistema do pagamento de imposto de renda, quando o contribuinte repassa informações diretamente à Receita Federal, sendo essas tomadas a princípio como verdadeiras. Depois, no entanto, o órgão pode confrontar tais informações e pedir esclarecimentos ou mesmo punir o interessado por conta de uma informação equivocada. É evidente que no direito ambiental absorção desse sistema é problemática em razão do princípio da prevenção e da precaução, posto que muitas vezes o dano ambiental é de irreversível ou de difícil reversibilidade. Realmente, não há como saber se aquela atividade vai ou não destruir sítio arqueológico, uma área de mangue ou uma área de mata atlântica primária a não ser com a fiscalização in locu. Por isso o licenciamento autodeclaratório é e deve ser mesmo visto com tanta desconfiança, a não ser quando se tratar do pedido de renovação da licença ambiental. Nessa situação não há razões objetivas para a não aceitação dessa sistemática, desde que não haja alterações quantitativas nem qualitativas no objeto da licença. Não se pode esquecer que a própria legislação prevê a prorrogação automática caso o interessado tenha feito o pedido com 120 dias de antecedência6.

Regulamentação da facilitação no pagamento do licenciamento ambiental em casos de relevância social

A Administração Pública pode regulamentar a dispensa do pagamento do custo de análise ou da taxa de licenciamento ambiental no intuito de estimular determinadas atividades econômicas, sempre levando em consideração a dimensão social do desenvolvimento. Os melhores exemplos, nesse cenário, seriam a construção de habitação social, os pequenos empreendedores de maneira geral e as populações tradicionais. O estímulo às microempresas e às empresas de pequeno porte pode se dar por meio da dispensa, do desconto ou da divisão desse tipo de despesa, o que inclusive estaria em consonância com o art. 179 do Texto Fundamental7.

Publicação do requerimento e da concessão da licença ambiental apenas na página do órgão ambiental

A Resolução n. 06/86 do CONAMA dispõe sobre os modelos de publicação de requerimento e de concessão de licença ambiental, o que deveria ser feito em jornal de grande circulação e em publicação oficial do ente licenciador. Depois a Resolução n. 281/2001 do CONAMA estabeleceu que modelos mais simples de publicação poderiam ser usados nos casos de licenciamento ambiental sem EIA/RIMA, embora mantendo a exigência de publicação tanto do requerimento quanto da concessão de cada licença ambiental, seja licença prévia, licença de instalação, Licença de Operação ou a renovação desta. Mais recentemente a Lei Complementar 140/2011, que regulamenta os incisos III, IV e VII do art. 23 da Constituição Federal e dispõe a competência administrativa em matéria ambiental, alterou o art. 10 da Lei 6.938/81, tratou das seguintes opções em matéria de publicidade: a) pode-se publicar o requerimento e a concessão da licença ambiental simultaneamente no jornal oficial e em um jornal de grande circulação ou b) pode-se publicar em página na rede mundial de computadores mantida pelo órgão ambiental competente8. Sendo assim, fica muito mais célere, econômico e transparente publicar na própria homepage do órgão ambiental tais informações (requerimento e concessão de cada licença ambiental), uma vez que não é mais obrigatório a publicação em jornal oficial e jornal de grande circulação.

Utilização de prazos maiores na concessão das licenças ambientais

Quando o inc. IV do art. 9º e o §1º do art. 10 da Lei 6.938/81 previram respectivamente a revisão e a renovação do licenciamento, o legislador quis destacar o tempo limitado de eficácia de uma licença em face da necessidade de rever padrões de qualidade que a cada dia são mais rapidamente ultrapassados tecnologicamente9. Essa matéria foi regulamentada pelo CONAMA, que fixou os prazos de validade das licenças ambientais na Resolução 237/97: a) na licença prévia deve ser no mínimo aquele estabelecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas e projetos relativos à atividade, não podendo ser superior a cinco anos; b) na licença de instalação deve ser no mínimo aquele estabelecido pelo cronograma de instalação da atividade, não podendo ser superior a seis anos; e c) na licença de operação deve ser de no mínimo quatro anos e no máximo dez anos10. Ocorre que, a despeito disso, muitas vezes as licenças ambientais são expedidas com prazos de dois anos, um ano ou até menos, o que ocorre especialmente com a licença de operação. A questão é que não faz sentido estabelecer prazos menores para a maioria dos empreendimentos, o que, além de não contribuir para aumentar a qualidade do controle ambiental no caso específico, ainda termina gerando uma burocracia desnecessária para o próprio órgão ambiental, que de repente se vê atolado em um número bem maior de processos do que deveria haver e por isso termina não dando conta direito de suas atribuições.

Regulamentação do licenciamento ambiental simplificado

Com relação às atividades de menor porte ou de menor potencial ofensivo, o órgão ambiental deverá estabelecer um procedimento simplificado para essas atividades, independentemente da fase em que se encontrarem, tendo em vista o §1º do art. 12 da Resolução 237/97 do Conama prever que “poderão ser estabelecidos procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente”. Realmente, não faz sentido submeter um lava-jato, um barzinho ou qualquer outro empreendimento de menor potencial poluidor ao licenciamento trifásico, posto que isso implica em perda de tempo e de dinheiro para o cidadão e para a Administração Pública. Logo, faz-se necessário justificar tecnicamente e, em seguida, regulamentar as situações em que o licenciamento ambiental simplificado é pertinente.

Articulação direta com os demais órgãos envolvidos no licenciamento ambiental

No que diz respeito às obras públicas ou de interesse público, por exemplo, é possível estabelecer a sua priorização dentro do cronograma de trabalho do órgão competente, bem como tentar fazer a articulação com os chamados órgãos ambientais intervenientes a fim de acelerar os tramites. Foi o que aconteceu com a Lei 13.334/2016, que instituiu o Cria o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, e que procura priorizar determinados licenciamentos, notadamente na área de infraestrutura11. O objetivo é impedir que algum órgão interveniente suscite algum problema depois, quando o licenciamento ambiental já estiver consolidado ou prestes a sê-lo.

Inexigência de licenciamento ambiental para certas atividades cujo escopo diz muito mais respeito ao licenciamento urbanístico

É sabido que a licença ambiental não substitui a licença urbanística nem outros atos administrativos que podem ser solicitados a depender da situação, a exemplo da outorga de uso de recursos hídricos ou do título minerário. Isso implica dizer que para as questões urbanísticas se exige o alvará de construção, de reforma, de demolição e de localização ou funcionamento, que são os formatos dados a esse tipo de licença cuja competência é municipal por força do art. 182 da Constituição Federal. Ocorre que por vezes os órgãos ambientais têm exigido o licenciamento de atividades cujos impactos poderiam ser adequadamente tratados pelo licenciamento urbanístico e/ou pelo plano de gerenciamento de resíduos, a exemplo da construção de casas em áreas com infraestrutura ou da edificação ou reforma de pequenas praças ou monumentos públicos.
1 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…).
2 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (…).
3 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…) V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (…).
4 A título de exemplo: OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental brasileira e licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 367 e RIBEIRO, José Cláudio Junqueira. O que é licenciamento ambiental. In: RIBEIRO, José Cláudio Junqueira (Org.). Licenciamento ambiental: herói, vilão ou vítima? Belo Horizonte: Arraes, 2015, p. 10.
5 Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.
6 Art. 14.  Os órgãos licenciadores devem observar os prazos estabelecidos para tramitação dos processos de licenciamento. (…) § 4o  A renovação de licenças ambientais deve ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente. 
7 Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
8 Art. 10 (…) § 1º. Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial, bem como em periódico regional ou local de grande circulação, ou em meio eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental competente.
9 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 494.
10 Art. 18 - O órgão ambiental competente estabelecerá os prazos de validade de cada tipo de licença, especificando-os no respectivo documento, levando em consideração os seguintes aspectos: I - O prazo de validade da Licença Prévia (LP) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas e projetos relativos ao empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 5 (cinco) anos. II - O prazo de validade da Licença de Instalação (LI) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de instalação do empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 6 (seis) anos. III - O prazo de validade da Licença de Operação (LO) deverá considerar os planos de controle ambiental e será de, no mínimo, 4 (quatro) anos e, no máximo, 10 (dez) anos. § 1º - A Licença Prévia (LP) e a Licença de Instalação (LI) poderão ter os prazos de validade prorrogados, desde que não ultrapassem os prazos máximos estabelecidos nos incisos I e II. § 2º - O órgão ambiental competente poderá estabelecer prazos de validade específicos para a Licença de Operação (LO) de empreendimentos ou atividades que, por sua natureza e peculiaridades, estejam sujeitos a encerramento ou modificação em prazos inferiores.
11 Art. 17. Os órgãos, entidades e autoridades estatais, inclusive as autônomas e independentes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com competências de cujo exercício dependa a viabilização de empreendimento do PPI, têm o dever de atuar, em conjunto e com eficiência, para que sejam concluídos, de forma uniforme, econômica e em prazo compatível com o caráter prioritário nacional do empreendimento, todos os processos e atos administrativos necessários à sua estruturação, liberação e execução. § 1º. Entende-se por liberação a obtenção de quaisquer licenças, autorizações, registros, permissões, direitos de uso ou exploração, regimes especiais, e títulos equivalentes, de natureza regulatória, ambiental, indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária, e quaisquer outras, necessárias à implantação e à operação do empreendimento. § 2º. Os órgãos, entidades e autoridades da administração pública da União com competências setoriais relacionadas aos empreendimentos do PPI convocarão todos os órgãos, entidades e autoridades da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, que tenham competência liberatória, para participar da estruturação e execução do projeto e consecução dos objetivos do PPI, inclusive para a definição conjunta do conteúdo dos termos de referência para o licenciamento ambiental.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Autorização para a queima controlada: limites ao uso do fogo nas práticas agropastoris ou florestais

AUTORIZAÇÃO PARA A QUEIMA CONTROLADA: LIMITES AO USO DO FOGO NAS PRÁTICAS AGROPASTORIS OU FLORESTAIS
Eduardo Fortunato Bim
Talden Farias


Além da autorização para supressão vegetal e da outorga de uso de recursos hídricos, existem outros atos administrativos autorizativos ambientais que guardam relação direta com o licenciamento ambiental. É o caso da autorização para a queima controlada, a qual permite o uso do fogo nas práticas agropastoris ou florestais na zona rural sob determinadas condições. A propósito, a Revista de Direito da Cidade publicou recentemente o artigo científico “Limites ao uso do fogo (queima controlada) no canavial e em outras práticas agropastoris ou florestais”, também de nossa autoria (https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/32427).

A autorização para o uso controlado do fogo é uma atividade disseminada em praticamente todas as regiões do país, conquanto a maior parte do seu uso seja voltado ao cultivo da cana-de-açúcar. Esse procedimento costuma ser de competência dos órgãos estaduais de meio ambiente, aos quais cabe verificar se estão sendo observadas as exigências técnicas estabelecidas pelo Decreto 2.661/98, o qual regulamenta a prática. Nesse diapasão, cabe citar a estipulação da faixa de segurança de mil metros em relação aos aglomerados urbanos ou a possibilidade de haver orientações técnicas adicionais relativas às peculiaridades locais e climáticas, dentre outras1.

O espaço para a discricionariedade técnica do órgão ambiental nesse caso é inegável. Nada impede, no entanto, que o Estado legisle sobre a matéria haja vista a competência concorrente prevista no art. 24, IV, § 2º da Lei Fundamental. Por outro lado, é possível a revisão da autorização, seja por suspensão ou por cancelamento do ato administrativo, quando houver razões de força maior ou descumprimento da legislação2. A Portaria 345/99 do Ministério do Meio Ambiente também faz exigências em relação ao uso controlado do fogo no corte da cana-de-açúcar3.

Essa é uma autorização independente, específica e de caráter sazonal, uma vez que a própria prática é marcada pela eventualidade e pela sazonalidade, não se confundindo com o licenciamento ambiental e nem se sujeitando, por si só, à exigência de EIA/RIMA. O entendimento é que, afora o desrespeito à discricionariedade técnica do órgão e ao princípio da legalidade, essa exigência seria inconstitucional por força do inciso VI do art. 170 da Lei Maior, segundo o qual a defesa do meio ambiente deve acontecer por meio de tratamento proporcional aos impactos ambientais gerados4.


O uso controlado e condicionado do fogo é utilizado desde tempos imemoriais, sendo exemplo disso as coivaras que os índios faziam antes mesmo da chegada dos Europeus no continente americano5. Já regulamentado nos Códigos Florestais anteriores (de 1934 e de 1965)6, o instituto foi mantido pelo novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), cujo art. 38 previu o uso de mecanismo inclusive em Unidades de Conservação7. É possível ainda o uso para fins fitossanitários, mormente para evitar o desenvolvimento de espécies indesejáveis (animais ou vegetais) à agricultura e à pecuária, e de pesquisa científica e tecnológica.

A despeito de sua previsão legal e de sua regulamentação por decreto, a queima foi objeto de contestação judicial por parte do Ministério Público e de algumas organizações não governamentais em alguns Estados. Por conta disso a discussão acabou chegando ao Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral (RE-RG) 586.224 pela constitucionalidade do uso do fogo para toda e qualquer atividade agrossilvipastoril, conquanto ocorra autorização prévia do órgão ambiental competente8. Na decisão consta ainda que aos setores econômicos interessados incumbe tentar construir a gradual extinção da prática, desde haja viabilidade técnica e econômica para tanto e ressalvadas as pequenas propriedades rurais.

A Suprema Corte entendeu que os aspectos positivos são mais representativos, como a diminuição dos acidentes de trabalho, a diminuição do acúmulo de gás metano, a diminuição da incidência de pragas e a diminuição do uso de pesticidas e fungicidas. Afora isso, existe também a dimensão social, uma vez que a mecanização – desejada pelo setor sucro-alcooleiro em razão de vantagens econômicas – ameaça milhares de empregos. Quanto aos impactos negativos, a exemplo da piora da qualidade do ar e da eventual possibilidade da perda de controle do fogo, a compreensão foi de que é possível minorá-los ou evitá-los por meio de medidas precaucionais.


Em igual diapasão, em 2015 o Superior Tribunal de Justiça publicou a Tese de Direito Ambiental n. 6, segundo a qual “O emprego de fogo em práticas agropastoris ou florestais depende necessariamente de autorização do Poder Público”. Isso implica dizer que a matéria se encontra devidamente pacificada, não havendo mais dúvidas sobre a sua legalidade e constitucionalidade9. Foi nesse contexto que o Tribunal Regional Federal da 3a Região uniformizou o entendimento pela competência do órgão estadual de meio ambiente, pela não exigência de EIA/RIMA e pela legalidade da prática10.
1 Art. 1º. É vedado o emprego do fogo: I - nas florestas e demais formas de vegetação; II - para queima pura e simples, assim entendida aquela não carbonizável, de a) aparas de madeira e resíduos florestais produzidos por serrarias e madeireiras, como forma de descarte desses materiais; b) material lenhoso, quando seu aproveitamento for economicamente viável; III - numa faixa de: a) quinze metros dos limites das faixas de segurança das linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica; b) cem metros ao redor da área de domínio de subestação de energia elétrica; c) vinte e cinco metros ao redor da área de domínio de estações de telecomunicações; d) cinquenta metros a partir de aceiro, que deve ser preparado, mantido limpo e não cultivado, de dez metros de largura ao redor das Unidades de Conservação; e) quinze metros de cada lado de rodovias estaduais e federais e de ferrovias, medidos a partir da faixa de domínio; IV - no limite da linha que simultaneamente corresponda: a) à área definida pela circunferência de raio igual a seis mil metros, tendo como ponto de referência o centro geométrico da pista de pouso e decolagem de aeródromos públicos; b) à área cuja linha perimetral é definida a partir da linha que delimita a área patrimonial de aeródromo público, dela distanciando no mínimo dois mil metros, externamente, em qualquer de seus pontos. § 1o  Quando se tratar de aeródromos públicos que operem somente nas condições visuais diurnas (VFR) e a queima se realizar no período noturno compreendido entre o por e o nascer do Sol, será observado apenas o limite de que trata a alínea "b" do inciso IV. § 2o  Quando se tratar de aeródromos privados, que operem apenas nas condições visuais diurnas (VFR) e a queima se realizar no período noturno, compreendido entre o por e o nascer do Sol, o limite de que trata a alínea "b" do inciso IV será reduzido para mil metros. § 3o  Após 9 de julho de 2003, fica proibido o uso do fogo, mesmo sob a forma de queima controlada, para queima de vegetação contida numa faixa de mil metros de aglomerado urbano de qualquer porte, delimitado a partir do seu centro urbanizado, ou de quinhentos metros a partir do seu perímetro urbano, se superior.
Art. 4o. Previamente à operação de emprego do fogo, o interessado na obtenção de autorização para Queima Controlada deverá: I definir as técnicas, os equipamentos e a mão-de-obra a serem utilizados; II fazer o reconhecimento da área e avaliar o material a ser queimado; III promover o enleiramento dos resíduos de vegetação, de forma a limitar a ação do fogo; IV preparar aceiros de no mínimo três metros de largura, ampliando esta faixa quando as condições ambientais, topográficas, climáticas e o material combustível a determinarem; V providenciar pessoal treinado para atuar no local da operação, com equipamentos apropriados ao redor da área, e evitar propagação do fogo fora dos limites estabelecidos; VI comunicar formalmente aos confrontantes a intenção de realizar a Queima Controlada, com o esclarecimento de que, oportunamente, e com a antecedência necessária, a operação será confirmada com a indicação da data, hora do início e do local onde será realizada a queima; VII prever a realização da queima em dia e horário apropriados, evitando-se os períodos de temperatura mais elevada e respeitando-se as condições dos ventos predominantes no momento da operação; VIII providenciar o oportuno acompanhamento de toda a operação de queima, até sua extinção, com vistas à adoção de medidas adequadas de contenção do fogo na área definida para o emprego do fogo. § 1o O aceiro de que trata o inciso IV deste artigo deverá ter sua largura duplicada quando se destinar à proteção de áreas de florestas e de vegetação natural, de preservação permanente, de reserva legal, aquelas especialmente protegidas em ato do poder público e de imóveis confrontantes pertencentes a terceiros. § 2o Os procedimentos de que tratam os incisos deste artigo devem ser adequados às peculiaridades de cada queima a se realizar, sendo imprescindíveis aqueles necessários à segurança da operação, sem prejuízo da adoção de outras medidas de caráter preventivo.
Art. 10. Além de autorizar o emprego do fogo, a Autorização de Queima Controlada deverá conter orientações técnicas adicionais, relativas às peculiaridades locais, aos horários e dias com condições climáticas mais adequadas para a realização da operação, a serem obrigatoriamente observadas pelo interessado.
2 Art. 14. A autoridade ambiental competente poderá determinar a suspensão da Queima Controlada da região ou município quando: I - constatados risco de vida, danos ambientais ou condições meteorológicas desfavoráveis; II - a qualidade do ar atingir índices prejudiciais à saúde humana, constatados por equipamentos e meios adequados, oficialmente reconhecidos como parâmetros; III - os níveis de fumaça, originados de queimadas, atingirem limites mínimos de visibilidade, comprometendo e colocando em risco as operações aeronáuticas, rodoviárias e de outros meios de transporte.
Art. 15. A Autorização de Queima Controlada será suspensa ou cancelada pela autoridade ambiental nos seguintes casos: I - em que se registrarem risco de vida, danos ambientais ou condições meteorológicas desfavoráveis; II - de interesse e segurança pública; III - de descumprimento das normas vigentes.
3 Art. 3o. A toda queima controlada deverá ser exigida a construção de aceiros de, no mínimo, cinquenta metros de distância das áreas florestais, áreas de preservação permanente, áreas de reserva legal e da faixa de domínio das rodovias.
Art. 4o. Quando as atividades de queima controlada forem realizadas nas proximidades das rodovias, deverá ser exigido que os responsáveis comuniquem com antecedência, mínima de vinte e quatro horas, aos órgãos de Polícia Rodoviária Estadual ou Federal.
Art. 5o. Os técnicos responsáveis deverão escalonar as autorizações visando uma distribuição temporal, a fim de que seja evitado o acúmulo de atividades de queima controlada em um mesmo dia ou período.
4 Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MPF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. QUEIMA CONTROLADA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR. LICENÇA AMBIENTAL CONCEDIDA PELO ÓRGÃO ESTADUAL. IBAMA COMPETÊNCIA SUPLETIVA. (…) 7. A Constituição Federal, no inciso IV, § 1º, do artigo 225, previu, portanto, que a exigência de realização de estudo prévio de impacto ambiental estaria condicionada à reserva de lei. Por sua vez, o parágrafo único do artigo 27 do revogado Código Florestal dispôs que "é proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação", ressaltando-se que "se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução". Assim, a lei federal não previu a necessidade da realização de prévio estudo de impacto ambiental no caso da "queima controlada", mas apenas, por decreto, de prévia vistoria no caso de solicitação de autorização para o uso do fogo em áreas "que contenham restos de exploração florestal [...] limítrofes às sujeitas a regime especial de proteção, estabelecido em ato do poder público". 8. Como se observa, a Constituição Federal prevê que, na forma da lei, seja exigido, pelo órgão competente, o prévio estudo de impacto ambiental (artigo 225, § 1º, IV, CF), não se admitindo a atuação substitutiva do Judiciário ao legislador, menos ainda na conformação positiva do ordenamento jurídico, por derivação simples, mas essencial do princípio da separação dos Poderes e devido processo legal. Ainda que a percepção pessoal do julgador, ou o testemunho de sua experiência de vida, possam dissentir do juízo adotado pelo legislador, a ação e a decisão judicial não podem servir de meio para contornar o princípio basilar do Estado de Direito, para instituir obrigação ou dever não previsto em lei. Não se trata de substituir a previsão constitucional de lei pela interpretação judicial de sua dispensa ou inexistência porque, no fundo, a Constituição Federal conferiu ao Parlamento, e ao Executivo na respectiva regulamentação, a tarefa de concretizar a norma constitucional, cabendo ao Judiciário apenas declarar, se for o caso, sua inconstitucionalidade, enquanto legislador negativo, e não criar lei ou emprestar interpretação, com assunção judicial da função de legislador positivo. (...) Apelação Cível n. 0001063-45.2008.4.03.6116/SP. Processo n. 2008.61.16.001063-9/SP. TRF-3. RELATOR: Desembargador Federal NERY JUNIOR. REL. ACÓRDÃO: Desembargador Federal CARLOS MUTA. Publicado em 23.01.2018.
5 A coivara é uma prática tradicional indígena, também utilizada por outras populações tradicionais, que consiste na derrubada e na queima da floresta nativa para o desenvolvimento de agricultura itinerante, a qual será interrompida depois de alguns anos tendo em vista o descanso do solo.
6 Código Florestal de 1934 (Decreto 23.793/34): Art. 22. É prohibido mesmo aos proprietarios: a) deitar fogo em campos, ou vegetações, de cobertura das terras, como processo de preparação das mesmas para a lavoura, ou de formação de campos artificiaes, sem licença da autoridade florestal do lugar, e observancia das cautelas necessarias, especialmente quanto a aceiros, aleiramentos e aviso aos confinantes (…). Código Florestal de 1965 (Lei 4.771/65): Art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação. Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução.
7 Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012): Art. 38. É proibido o uso de fogo na vegetação, exceto nas seguintes situações: I - em locais ou regiões cujas peculiaridades justifiquem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental competente do Sisnama, para cada imóvel rural ou de forma regionalizada, que estabelecerá os critérios de monitoramento e controle; II - emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo; III - atividades de pesquisa científica vinculada a projeto de pesquisa devidamente aprovado pelos órgãos competentes e realizada por instituição de pesquisa reconhecida, mediante prévia aprovação do órgão ambiental competente do Sisnama. § 1o  Na situação prevista no inciso I, o órgão estadual ambiental competente do Sisnama exigirá que os estudos demandados para o licenciamento da atividade rural contenham planejamento específico sobre o emprego do fogo e o controle dos incêndios. § 2o  Excetuam-se da proibição constante no caput as práticas de prevenção e combate aos incêndios e as de agricultura de subsistência exercidas pelas populações tradicionais e indígenas. § 3o  Na apuração da responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente para fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado. § 4o  É necessário o estabelecimento de nexo causal na verificação das responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares.
8 “(…) RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. LIMITES DA COMPETÊNCIA MUNICIPAL. LEI MUNICIPAL QUE PROÍBE A QUEIMA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR E O USO DO FOGO EM ATIVIDADES AGRÍCOLAS. LEI MUNICIPAL Nº 1.952, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1995, DO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA. RECONHECIDA REPERCUSSÃO GERAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 23, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, Nº 14, 192, §1º E 193, XX E XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO E ARTIGOS 23, VI E VII, 24, VI E 30, I E II DA CRFB. (…) 3. In casu, porquanto inegável conteúdo multidisciplinar da matéria de fundo, envolvendo questões sociais, econômicas e políticas, não é permitido a esta Corte se furtar de sua análise para o estabelecimento do alcance de sua decisão. São elas: (i) a relevante diminuição – progressiva e planejada – da utilização da queima de cana-de-açúcar; (ii) a impossibilidade do manejo de máquinas diante da existência de áreas cultiváveis acidentadas; (iii) cultivo de cana em minifúndios; (iv) trabalhadores com baixa escolaridade; (v) e a poluição existente independentemente da opção escolhida. 4. Em que pese a inevitável mecanização total no cultivo da cana, é preciso reduzir ao máximo o seu aspecto negativo. Assim, diante dos valores sopesados, editou-se uma lei estadual que cuida da forma que entende ser devida a execução da necessidade de sua respectiva população. Tal diploma reflete, sem dúvida alguma, uma forma de compatibilização desejável pela sociedade, que, acrescida ao poder concedido diretamente pela Constituição, consolida de sobremaneira seu posicionamento no mundo jurídico estadual como um standard a ser observado e respeitado pelas demais unidades da federação adstritas ao Estado de São Paulo. (…) 7. Entretanto, impossível identificar interesse local que fundamente a permanência da vigência da lei municipal, pois ambos os diplomas legislativos têm o fito de resolver a mesma necessidade social, que é a manutenção de um meio ambiente equilibrado no que tange especificamente a queima da cana-de-açúcar. 8. Distinção entre a proibição contida na norma questionada e a eliminação progressiva disciplina na legislação estadual, que gera efeitos totalmente diversos e, caso se opte pela sua constitucionalidade, acarretará esvaziamento do comando normativo de quem é competente para regular o assunto, levando ao completo descumprimento do dever deste Supremo Tribunal Federal de guardar a imperatividade da Constituição. 9. Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1.952, de 20 de dezembro de 1995, do Município de Paulínia” (STF, Pleno, RE-RG 586.224/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. em 5.03.2015, DJe 7.05.2015).
9 O Tribunal Regional Federal da 3a Região prolatou interessantes decisões sobre a matéria, cabendo destacar os seguintes casos: i) Embargos de Declaração em Apelação/Remessa Necessária n. 0011027-50.2008.4.03.6120/SP. Processo n. 2008.61.20.011027-5/SP. RELATORA: Desembargadora Federal DIVA MALERBI. Publicado em: 19.03.2018, ii) Apelação Cível n. 0002615-76.2007.4.03.6117/SP. Processo n. 2007.61.17.002615-9/SP. RELATORA: Desembargadora Federal DIVA MALERBI. Publicado em: 19.03.2018 e iii) Apelação Cível n. 0001063-45.2008.4.03.6116/SP. Processo n. 2008.61.16.001063-9/SP. TRF-3. RELATOR: Desembargador Federal NERY JUNIOR. REL. ACÓRDÃO: Desembargador Federal CARLOS MUTA. Publicado em 23.01.2018. Cumpre destacar parte do primeiro acórdão: “(…) 2. Pelo RE 586.224/SP, houve declaração de inconstitucionalidade de lei municipal que vedava, por completo, a prática da queima de cana-de-açúcar, dada a sua incompatibilidade com lei estadual – no caso, a Lei Paulista nº 11.241/2002 - que impõe a respectiva eliminação, mas de forma gradativa, até o ano de 2031. Esse julgado avançou no tema, reconhecendo que a eliminação gradual da prática de queima, contraposta à respectiva eliminação abrupta, surge como o meio mais adequado de compatibilização de interesses relativos à dignidade humana, saúde e proteção ao trabalho, entre o mais. 3. Também o E. Superior Tribunal de Justiça, ao se debruçar sobre o tema da queima da cana-deaçúcar, já se posicionou no sentido de que tal prática, embora inflija certos danos ambientais, não é ilegal, se realizada com amparo em autorizações expedidas pelos órgãos ambientais competentes, como no caso ora sob exame, a CETESB (AgRg no AREsp 48.149/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe: 17/04/2012). 4. Merece registro, ainda, a jurisprudência pacífica do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de que o art. 27 da Lei 4.771/65 (antigo Código Florestal) permitia o emprego do fogo em práticas agropastoris, se precedida de permissão do Poder Público, disposição essa que, em essência, foi repetida pela novel Codificação Florestal (Lei nº 12.651/12), no seu art. 38, inciso I, a qual estabeleceu que, em locais ou regiões cujas peculiaridades justifiquem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, este será possível mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental competente do Sisnama, para cada imóvel rural ou de forma regionalizada, que estabelecerá os critérios de monitoramento e controle (TJSP; Apelação 4010911-86.2013.8.26.0506; Rel. Des. Eutálio Porto; 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente; j. em 10/03/2016; Apelação 0007768-15.2010.8.26.0070; Rel. Des. Torres de Carvalho; 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente; j. em 24/04/2014)” (…).
10 O Tribunal Regional Federal da 3a Região prolatou interessantes decisões sobre a matéria, cabendo destacar os seguintes casos: i) Embargos de Declaração em Apelação/Remessa Necessária n. 0011027-50.2008.4.03.6120/SP. Processo n. 2008.61.20.011027-5/SP. RELATORA: Desembargadora Federal DIVA MALERBI. Publicado em: 19.03.2018, ii) Apelação Cível n. 0002615-76.2007.4.03.6117/SP. Processo n. 2007.61.17.002615-9/SP. RELATORA: Desembargadora Federal DIVA MALERBI. Publicado em: 19.03.2018 e iii) Apelação Cível n. 0001063-45.2008.4.03.6116/SP. Processo n. 2008.61.16.001063-9/SP. TRF-3. RELATOR: Desembargador Federal NERY JUNIOR. REL. ACÓRDÃO: Desembargador Federal CARLOS MUTA. Publicado em 23.01.2018. Cumpre destacar parte do primeiro acórdão: “(…) 2. Pelo RE 586.224/SP, houve declaração de inconstitucionalidade de lei municipal que vedava, por completo, a prática da queima de cana-de-açúcar, dada a sua incompatibilidade com lei estadual – no caso, a Lei Paulista nº 11.241/2002 - que impõe a respectiva eliminação, mas de forma gradativa, até o ano de 2031. Esse julgado avançou no tema, reconhecendo que a eliminação gradual da prática de queima, contraposta à respectiva eliminação abrupta, surge como o meio mais adequado de compatibilização de interesses relativos à dignidade humana, saúde e proteção ao trabalho, entre o mais. 3. Também o E. Superior Tribunal de Justiça, ao se debruçar sobre o tema da queima da cana-deaçúcar, já se posicionou no sentido de que tal prática, embora inflija certos danos ambientais, não é ilegal, se realizada com amparo em autorizações expedidas pelos órgãos ambientais competentes, como no caso ora sob exame, a CETESB (AgRg no AREsp 48.149/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe: 17/04/2012). 4. Merece registro, ainda, a jurisprudência pacífica do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de que o art. 27 da Lei 4.771/65 (antigo Código Florestal) permitia o emprego do fogo em práticas agropastoris, se precedida de permissão do Poder Público, disposição essa que, em essência, foi repetida pela novel Codificação Florestal (Lei nº 12.651/12), no seu art. 38, inciso I, a qual estabeleceu que, em locais ou regiões cujas peculiaridades justifiquem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, este será possível mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental competente do Sisnama, para cada imóvel rural ou de forma regionalizada, que estabelecerá os critérios de monitoramento e controle (TJSP; Apelação 4010911-86.2013.8.26.0506; Rel. Des. Eutálio Porto; 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente; j. em 10/03/2016; Apelação 0007768-15.2010.8.26.0070; Rel. Des. Torres de Carvalho; 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente; j. em 24/04/2014)” (…).